Trem Fantasma

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Eu sempre gostei de terror. Desde criança, assistir filmes de horror era a minha forma favorita de gastar o tempo. Frank, meu melhor amigo, sempre dividiu esse gosto comigo. Ele era obcecado por criar experiências assustadoras e, honestamente, até me superava no amor pelo macabro. Então, quando ele me convidou para testar o novo brinquedo de terror que ele havia desenvolvido no parque, eu não pensei duas vezes antes de aceitar.

Era um dia ensolarado, crianças corriam ao meu redor com algodão doce, rindo e brincando. O cheiro de pipoca doce e churros preenchia o ar. Eu estava na fila do trem fantasma que Frank havia construído. Ele estava empolgado para me mostrar o brinquedo, e eu estava ansioso para ver do que ele tinha sido capaz. Enquanto esperava minha vez de entrar, observei o trem—um carrinho que cabia apenas uma pessoa por vez, com um trilho escuro que desaparecia em uma abertura com luzes piscantes. Frank havia me contado que o brinquedo tinha quatro salas, cada uma com um tema diferente, mas todas giravam em torno de uma coisa: animatrônicos. Eu nunca fui fã de robôs que se mexem. Na verdade, eu sempre tive um certo pavor dessas coisas mecânicas, que pareciam vivas demais.

“Esse brinquedo foi feito para você, Tom”, Frank disse rindo quando estávamos no parque mais cedo. “Você vai adorar.” Ele sabia do meu medo, claro. Era exatamente por isso que ele insistira tanto para que eu viesse.

Finalmente chegou minha vez. O  carrinho estava ali, me esperando, e eu sentei, sentindo o estômago apertar enquanto a segurança baixava sobre meus ombros. O carrinho começou a se mover devagar, entrando em uma escuridão total. Tudo que eu ouvia era o som mecânico dos trilhos rangendo e, ao fundo, uma música macabra, meio distorcida, que me fez arrepiar.

A primeira sala apareceu diante de mim, iluminada por luzes vermelhas e piscantes. Era uma floresta sombria, com árvores de plástico retorcidas e folhas secas espalhadas pelo chão. No meio da sala, uma criatura animatrônica saiu das sombras — um lobo gigante com dentes afiados e olhos brilhantes. Ele deu um salto em minha direção, rugindo de forma mecânica, o que me fez pular no assento. Me agarrei à barra de proteção e ri nervoso. Frank realmente tinha caprichado. Ele sabia que eu odiava esses robôs. Desde os bonecos de Chuck N' Cheese até os de Five Nights at Freddy's. O movimento da criatura era quase perfeito, assustadoramente realista, e a precisão dos detalhes era impressionante.

O carrinho seguiu para a segunda sala, e eu comecei a relaxar um pouco, pensando que talvez estivesse exagerando. Mas logo o ambiente mudou. Dessa vez, eu estava em uma espécie de hospital abandonado. A iluminação era fria, com luzes piscando, e o som de equipamentos médicos zumbindo ao fundo. Havia mesas de cirurgia, e bonecos robóticos estavam deitados nelas, cobertos de lençóis ensanguentados. O ar estava pesado, e um cheiro metálico de sangue falso pairava no ambiente.

Foi aí que, quase sem querer, olhei para trás. Eu juro que meu coração quase saiu pela boca. Uma mulher, ou pelo menos algo que se parecia com uma mulher, estava parada a alguns metros de mim. Ela era alta, com um vestido branco rasgado e sujo de sangue. Sua boca estava rasgada de uma orelha à outra, com a pele puxada e costurada de forma grotesca. Seus olhos eram negros, vazios, e o rosto pálido parecia ter sido moldado por um pesadelo. Ela começou a se mover, lentamente, torta, cambaleando enquanto seus pés descalços batiam no chão de forma irregular. O som ecoava na sala vazia, e ela começou a seguir o carrinho, cada vez mais próxima.

Meu coração disparou. Não havia me preparado para aquilo. Frank não havia me falado sobre atores humanos no brinquedo, mas, naquela hora, tudo o que eu conseguia pensar era que a mulher parecia real demais para ser apenas um animatrônico. Sua boca se movia lentamente, como se estivesse tentando falar algo que não conseguia articular, enquanto suas mãos tremiam, esticando-se na minha direção. Eu me virei para frente, tentando ignorá-la, mas sabia que ela estava ali, logo atrás, cada vez mais perto.

Por sorte, o carrinho entrou na terceira sala antes que eu perdesse o controle. Agora, eu estava em uma sala de brinquedos antigos, mas tudo estava quebrado, sujo e distorcido. Bonecas animatrônicas estavam empilhadas nas prateleiras, com os rostos rachados, e alguns trens elétricos circulavam de forma errática em trilhos montados no chão. Um som de risada infantil ecoava pelas paredes, mas de uma forma perturbadora, distorcida. As bonecas se moviam lentamente, virando as cabeças para mim conforme eu passava. Uma delas caiu de repente no chão, e eu pulei novamente. Meu medo de bonecos robóticos estava sendo testado até o limite, e eu sabia que Frank estava se divertindo com aquilo.

A mulher, no entanto, não havia sumido. Quando o carrinho entrou na quarta e última sala, eu olhei novamente para trás e lá estava ela, só que dessa vez mais perto. E, para piorar, ela começou a correr em minha direção, tropeçando e caindo sobre si mesma, com os braços esticados. O som de seus passos era irregular, ecoando de forma doentia na sala silenciosa. O carrinho parecia estar se movendo mais devagar do que nunca, e a mulher estava cada vez mais próxima, sua respiração audível e sufocante. O pânico me tomou por completo, e por um momento eu pensei que ela realmente ia me alcançar. Eu fechei os olhos, esperando o pior, até que, de repente, o carrinho acelerou e saiu da sala.

Quando o brinquedo finalmente parou e as travas se soltaram, eu saí do carrinho ofegante, com o coração ainda disparado no peito. O som do parque e o sol brilhante me pareceram absurdamente tranquilos comparados ao que eu havia acabado de experimentar. Caminhei pelo parque até encontrar Frank, que estava esperando por mim perto da entrada.

- E aí, o que achou? — ele perguntou, com um sorriso orgulhoso.

- Aquilo foi insano! Você realmente me pegou dessa vez. Eu morri de medo dos bonecos animatrônicos, especialmente na terceira sala. Aquela parte com as bonecas foi de arrepiar!— respondi, tentando soar mais calmo do que realmente estava. — Mas o que me deixou mais assustado foi a atriz que você colocou pra ser a fantasma.

Frank me olhou, confuso. - Atriz?

- Sim, a mulher com a boca rasgada que apareceu na segunda sala e depois começou a correr atrás de mim na última. Ela estava muito real, cara. Quem foi que você contratou? Ela foi incrível.

O sorriso de Frank desapareceu. Ele ficou pálido, e seus olhos se arregalaram. - Tom, eu… eu não contratei ninguém. Não tinha atriz nenhuma lá dentro.

Senti um calafrio subir pela espinha. A sensação de normalidade e segurança se desfez no mesmo instante. Engoli em seco, tentando entender o que aquilo significava, mas a resposta parecia clara demais para ignorar.

Desde então, tenho tentado esquecer o que aconteceu naquele dia. Mas a imagem da mulher, com sua boca rasgada e o jeito que corria tropeçando atrás de mim, me assombra até hoje. Não sei o que era aquilo, mas uma coisa é certa: eu nunca mais vou entrar em um trem fantasma.

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Tive essa ideia durante uma reportagem de um trem fantasma no Japão.
Me perguntei "e se a atriz não for uma atriz?"
Essa é a segunda versão do conto, a original estava em outra Coletânea que eu excluí.

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⏰ Última atualização: Oct 18 ⏰

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