ALGUÉM QUE NUNCA SENTIU

MUDANÇAS

Ao esperar na fila da farmácia para pagar os cigarros, me encosto na parede do corredor e encaro por segundos a nuca do Caio e seus ombros. Vejo sua mão direita apertando de leve a caixa de cigarros, como se estivesse ansioso para abri-la,  enquanto sua outra mão esquerda  mexe com os dedos levemente agitados, como uma criança que mal pode esperar para abrir uma caixa de brinquedos ou uma chocolátra longo antes de abrir uma caixa de chocolates. Ele me parece realmente estar viciado, ou ao menos bastante ansioso para fumar.

Me lembro da nossa conversa no terraço, quando ele me disse que os cigarros eram somente uma forma de escape, uma desculpa. Se for verdade, significa que Caio está querendo escapar do agora também,que nossa tarde não foi suficiente para distrai-lo de seus pesadelos. Coço minha mão freneticamente, vê-lo assim me fez ficar ansiosa também, me faz querer escapar para os meus livros, me faz querer imaginar estar em outro lugar.

- você está me encarando com os olhos tristes já faz alguns minutos, não me diga que já se apaixonou? Caio me se vira para trás e me diz, bem perto do meu ouvido. Fico confusa,e olho de relance para frente e percebo que era possível me ver o tempo todo pela imagem da câmara de segurança.

Chego perto do ouvido dele para respondê-lo.

- Na verdade, eu estava tentando entender quão profunda é sua ferida para você precisar apertar tão forte a caixa dos cigarros. Olho para as mãos dele.

Vejo a expressão do Caio endurecer rapidamente, e o seus olhos transmitirem um faísca de raiva. Eu havia cruzado uma linha.

- Eu não sei do que está você está falando.Ele me dá um sorriso sarcástico.

- Devo ter superestimado meu discernimento.

- É, você se superestima bastante. Ele responde.

- O quer dizer com isso? Fala como se me conhecesse. Respondo.

- Eu conheço você suficiente bem, para te dizer algo que você não tem coragem de admitir. ele fala.

Levanto a sombrancelha.

- E o que é ?

- Você se acha melhor do que as outras pessoas. Não era por isso que estava me analisando?

- Eu não me acho melhor do que você. falo. E, sim, eu estava tentando entender você, compreender o porquê você age da forma que age, o que te faz ser assim.

- Por quê? Você quer me ajudar ? Ser a garota que vai salvar o bad boy?
Dou um meio sorriso.

- Não você é que está se superestimando? Eu pareço esse tipo de garota para você ?
Respondo.

- Sendo sincero, sim. Você parece o alvo perfeito. Nerd, delicada, inocente e extremamente adorável, e aposto que nunca se apaixonou de verdade por ninguém. Ele fala essa última linha, com um sussurro no meu ouvido.

Reviro os olhos.

- Você está errado,não sou de me importar tanto assim pelos outros,sou egoísta demais para perder meu tempo tentando ajudar uma pessoa, e racional demais para achar que posso mudar alguém. Respondo.

- Mesmo que você a ame?

- Não dou tanto valor assim ao amor para entrar numa dessas. Cairia fora antes mesmo de sentir algo.

- E simplesmente deixaria essa pessoa sofrer?

-Faria isso sem nem olhar para trás.

Caio  me olha nos olhos por alguns minutos, tentando encontrar alguma fraqueza. Mas continuo firme e não vacilo por nenhum minuto.

- Tudo bem, acredito em você. Acho que podemos ser amigos. Ele me estende a mão.

Hesito em pegar-la.

-Por quê acha precisa de alguém assim na sua vida ? Pergunto.

- Preciso de alguém que não se importe quando eu partir, mas que esteja quando eu voltar, alguém que... Não se machuque com minhas ações, e que não sinta a minha falta,mas que se lembre de mim.

O encaro por alguns segundos, ele realmente está falando sério. Tenho vontade de rir ao ouvir tamanha idiotice. A pessoa que ele quer, é uma pessoa insensível que não gosta e nem se importa com ele, mas que de alguma forma esteja ao seu lado. 

Ele não quer ser amado, mas não quer ser esquecido,  ele quer uma companhia de papel, sem sentimentos para não sentir sozinho. E quer que eu seja essa pessoa.
Acho que é impossível até para mim, que nunca me apaixonei e me sinto sozinho o tempo todo, não me importar com ele.

Por isso, sei que essa história não vai acabar bem. Um de nós vai provavelmente se ferir de verdade no final. Será eu ou você?

- Tudo bem, seremos essa pessoa um para o outro, quero saber onde essa "amizade" vai nos levar. Estou curiosa para saber quem vai acabar se importando no final.

- Se é assim, não acho que devemos continuar, não quero deliberadamente ferir você. Ele responde.

Reviro os olhos.

-  Você não sabe se irá, e muito menos eu. Podemos parar antes que seja tarde demais. Okay? Você pegou meu interesse, é tarde demais para voltar atrás.

- Só não se arrependa. Ele estende a mão.

- Não irei.