IV- Ressaca

8 0 0
                                    

Meus olhos se abrem num sentido involuntário, mas lá pra fora além das minhas orbitas parece que o sol esta na minha frente e já é de fato que eu não consigo abrir os olhos. Na minha boca habita um gosto absurdamente ruim, como se eu não comesse algo a dias, meu corpo todo doía me encontrava na cama em uma posição retraída com a mão na barriga. Dei-me conta que não sabia que horas eram e afinal que dia era? Mas ao meu lado estava meu radio-relógio me respondendo a tudo isso, mas eu simplesmente não conseguia abrir meus olhos, mas eu tinha que abrir então os abri. Uma dor atingiu rapidamente meu globo ocular e olhei em volta meu quarto bagunçado ainda, como sempre estivera. E aqui esta meu radio-relógio, no meu criado mudo ao lado da minha cama, mas parecia estar a quilômetros de distancia e as letras e números estavam embaçados como se um nevoeiro estivesse ali no meu quarto, pisco rapidamente e repetidas vezes meu olho até eu conseguir enxergar as horas: Sábado, 12h39min.

 - Bernardo? – escuto a voz da minha mãe distante, como se ela estivesse na cozinha.

- Oi mamãe – minha voz sai abafada, ate minha voz me incomoda agora.

- Você saiu ontem? – dessa vez a voz estava mais próxima.

 - Sim – abro um pouco meus olhos tendo uma visão turva das coisas.

Minha mãe coloca a cabeça dela por entre porta e pergunta:

 - Chegou que horas?

 - Não sei, não olhei para o relógio quando cheguei – na verdade eu não me lembro de nada, tudo é um apagão e só lembro-me de pequenos flashes de momentos desconexos.

 - Sei – fala isso com uma cara cheia de desconfiança – E... Foi com quem?

 - Gab e Matheus.

 - Quem é Matheus? – mas uma vez a desconfiança.

 - Um amigo novo, eu acho.

Ela entra no quarto e olha a bagunça espalhada pelo chão e por todas as superfícies que deviam estar livres, de repente começa a abrir as janelas, se eu achava que não conseguiria abrir os olhos antes imagina agora. Meu olho ate fechado dói.

 - Não... Mãe, não – falo já cobrindo minha cabeça com o cobertor mas não adianta, a claridade insiste em residir ali.

 - Agora sim... Estava muito escuro aqui – diz ela, puxando o cobertor, me deixando sem nada para me proteger da claridade mortal – O almoço esta pronto, tome banho e desça.

 - Tá bom, espera só um pouco – minha voz falha e rouca.

 - Não, você já dormiu por tempo demais e quando terminar de almoçar vai dar um jeito no seu quarto – ela diz isso enquanto sai do quarto em direção à escada.

Olho-me no espelho e vejo as olheiras negras e profundas ao redor dos meus olhos, minha cara de morto e meu corpo marcado com escoriações roxas, principalmente no pescoço. “O que fiz ontem?” penso preocupado.

Quando acabo o banho me sinto restaurado, pego uma roupa qualquer e desço para comer.

 - Comprei comida italiana – ela fala.

 - Certo – começo a fazer meu prato, a comida tem aparência apetitosa.

  - Como foi sua semana? – pergunta ela, acho que querendo puxar algum assunto.

 - Foi legal, e a sua? – falo de boca cheia, a comida estava incrível.

 - Corrida, bom... – ela da uma pausa pensando no que falar ou no como falar – eu fui convidada para uma convenção de medicina no Canada, se eu for vou passar dois meses lá... Mas depende de você de eu ir ou não. Tudo bem se eu for?

“O que? Você mal passa o fim de semana aqui e quer ir para o Canada? Por dois meses?” Falo isso em silencio, porque minha boca não se permitiu abrir, as únicas palavras que saíram foram:

 - Tudo bem.

Ela sorriu parecendo me agradecer, por um momento eu fiquei feliz por ela, um breve momentos para ser sincero, no outro já estava enfurecido, mas eu sei controlar minhas emoções, essa é uma das vantagens de ser fechado/calado, porque eu posso não falar, mas ao contrario da grande maioria, eu penso muito e isso têm suas vantagens e desvantagens. Mas a única coisa que nem eu nem ninguém, eu acho, consegue controlar é a vergonha, quando se sente corar ou quando se encolhe para evitar o olhar dos outros, porque isso é considerado, pela sociedade, uma fraqueza e eu digo que não, que não é fraqueza, mas sim algo humano. Alias, acho que não existe nenhuma fraqueza, acho que cada um tem seus jeitos.

Mas enfim, isso aqui não é um livro de autoajuda e sim eu.

Termino de comer e coloco meu prato sujo sobre a pia. Já no me quarto, começo a arruma-lo, tirando todas as roupas do chão, da mesinha do computador, da cadeira e levando para o cesto de roupa suja; metade do quarto já esta pronto, agora tiro todas as embalagens de comida e bolinhas de papel e jogo no lixo. Mas uma bolinha em especial me chamou a atenção, não está completamente amassada e a letra não é minha, o papel parece incomum ao resto ali, como se fosse uma parte rasgada de um pergaminho velho, eu o desamasso e leio atentamente o que há nele escrito:

    Be...

Apenas isso escrito, penso que pode ter grudado no meu tênis enquanto andava na rua e quando o tirei em casa não percebi, é isso, não pode ter sido de outra forma. É muita coincidência, eu sei, mas o resto do nome não pode ser exatamente “Bernardo”, não pode isso não tem nada a ver comigo. Mesmo assim, não o jogo, guardo na primeira gaveta do criado mudo.

Termino de arrumar a bagunça do meu quarto e me jogo na cama cansado. 

O Mundo em SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora