III - Temporada de Caça

10 1 0
                                    




Eduardo estacionou sua Shadow 750 e montado nela ficou olhando a loja de Caça & Pesca do outro lado da rua.

O cenho franzido, relutante em chegar a uma resolução que uma vez tomada, não teria mais volta, seria a decisão de uma vida. Desligou a Shadow, desceu da moto e removeu o capacete. Ele enfiou a mão no bolso da jaqueta e tirou um maço de cigarros e um isqueiro. Respirar o ar frio de Londrina fez Eduardo ser arrematado por lembranças outrora felizes.

Fora naquela loja de Caça & Pesca que seu pai contara para ele e Alex sobre o legado da família, a tradição guerreira dos Donovan, sobre os heróicos Faoladh, guerreiros-lobos que reinaram em uma Irlanda primitiva. Ele não acreditou de início, mas Alex ficara eufórico, o irmão mais novo tinha onze anos na época. Foi por causa de Alex que Eduardo conheceu Natasha. Era difícil lidar com tudo vindo à tona novamente, tudo que estava tão bem enterrado no peito.

Ele pegou um cigarro, ascendeu e guardou o maço e o isqueiro de volta no bolso da jaqueta.

Eduardo Donovan tinha cinquenta e quatro anos e em plena forma tinha a constituição de um lutador veterano, com braços fortes e sólidos músculos em seu 1,90 m de altura; cabelos de um denso negro com sinais de grisalho nas laterais e em algumas mechas. A barba e os bigodes cheios também eram muito escuros, com exceção do queixo totalmente grisalho. Eduardo calçava botas pretas, calça jeans surrada, camisa xadrez e uma jaqueta marrom. O olhar era terrível, intensificado por três longas cicatrizes cruzando seu rosto na diagonal.

Ele passou a mão nas cicatrizes em seu rosto ponderando sobre o filho, mas foi tirado de seus pensamentos ao sentir o celular vibrar. O aparelho registrava o número de Gabriel. Decidiu que ainda não era hora de confrontá-lo. Tragou novamente o cigarro.

— Que se dane. — Atravessou a rua e entrou na loja.

A porta fez um barulho típico, o mesmo sino de quase quarenta anos atrás. O estabelecimento continuava o mesmo. Um vasto espaço cercado de varas de pescar, equipamentos diversos de sobrevivência e camping, além de algumas armas dispostas atrás dos balcões. Algumas estantes eram novas, mas o cheiro de madeira velha que empesteava o ambiente parecia nunca ter mudado. A cadeira onde Jetro costumava se sentar não estava mais lá.

Atrás do balcão havia um homem velho e magro, cabelos ralos e surpreendentemente ainda castanhos, usava óculos com lentes grossas e trabalhava compenetrado em uma isca artificial. A peça de madeira ia tomando forma nas mãos dele, enquanto enrolava habilmente uma linha colorida ao seu redor.

— Bom dia Senhor Deodoro. — Eduardo caminhou em direção ao velho.

Deodoro era o irmão mais novo do velho Jetro, o primeiro dono da loja e ponto de encontro dos caçadores. Depois que Jetro morreu nas garras de dois ghouls, Deodoro assumira. Já tinha para mais de noventa anos, mas ainda se movia sem dificuldade. Ele ajeitou os óculos multifocais e encarou Eduardo.

— Ah ora vejam só, o pequeno Donovan... não... não... você é o carrancudo. Achei que nunca mais te veria na minha loja, filho. O que faz em Londrina?

— A porta está fechada Deodoro, não venha com essa de velho desmemoriado. Eu não piso nessa cidade há seis anos. Vim buscar o que é meu e o que mais tiver de valioso para mim.

Deodoro sorriu de uma forma engraçada, lembrando uma velha raposa. Apertou um botão no balcão e um clique foi ouvido.

— Agora a porta está fechada, carrancudo. Quanto à suas coisas, estão em uma caixa lá nos fundos, vai dar um trabalho para pegar, quer mesmo?

[DEGUSTAÇÃO ] Cães do Asfalto - Livro 01 da Série Lobos da NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora