Depois daquela conversa, eu não consegui mais me distrair. Como ela espera que eu me mantenha numa faculdade daquele tamanho? Quando me inscrevi na Universidade, eu consegui uma bolsa de estudos mas que só cobria uma certa porcentagem dos gastos. Minha mãe e meu pai concordaram em cobrir o resto. Eu tentei de todas as formas arrumar um trabalho que ajudasse, mas tudo que consegui foi um em uma biblioteca que me pagava tão pouco que não dava nem pra comprar os livros do semestre. Por isso, tentei juntar o máximo que pude nesses últimos dois anos e o que eu tenho daria pra passar mais alguns meses. Mas eu nunca fui muito boa em controlar a ansiedade e preocupação no futuro. Eu sempre penso no 'e se?' E se eu não conseguir outro trabalho? E se meu dinheiro acabar? E se eu for demitida? E se eu me tornar um peso pra Emily? E se minha mãe ficar tão decepcionada comigo que decida me abandonar outra vez? Todas essas perguntas vinham como enxurrada na minha mente que nem vi o momento que o pequeno Theo jogou uma ruma de roupas no meu rosto- Me dá banho hoje, Sasa? - Ele fez uma cara tão fofa que não consegui resistir.
- É claro que sim, gigante. Vamos lá- Peguei a mãozinha dele e fomos em direção ao banheiro. Olhei pro meu pai de longe e sorri quando vi que ele e Emily estavam discutindo pra ver quem ia ficar com o Bayern no Fifa. Quando se junta nós três com vídeo game ficamos pior do que criança.
Depois de dar banho no Theo tentei colocá-lo pra dormir, mas, se tem uma coisa que ele puxou do meu pai é que fala igual uma matraca.
- Aí eu corri pra onde a professora estava e falei que ele queria me bater com o boneco do Capitão América
- É isso aí, garoto. Bate aqui - estendi minha mão pra ele fazendo um high five - Nunca se esqueça que quem parte pra briga pra resolver os problemas são...
- Pessoas sem inteligência ! - falou todo animado
- Muito bom, pessoas inteligentes procuram formas de resolver os conflitos sem bater em ninguém e você foi muito inteligente.
- Não fui não. Eu escorreguei enquanto corria e machuquei o joelho
- Não tem problema, pode acontecer. Isso não quer dizer que você falhou. Agora, gigante, vamos fechar os olhinhos e dormir
-Eu não tô com sono
- Te dou 5 dólares. Olha que se eu fosse você eu aceitaria, no Brasil isso é uma fortuna
- Não quero dinheiro, quero que você fique aqui comigo hoje - sorri pra ele e mexi em seus cabelos encaracolados
- Eu queria muito, mas a irmã precisa ir trabalhar amanhã. Mas, se você for dormir agora eu prometo que venho passar o domingo com você, que tal? - Ele abriu um sorriso enorme e balançou a cabeça freneticamente. Em poucos minutos ele já estava dormindo.
Levantei e fui em direção ao meu pai e Emily que estavam distraídos o bastante pra me notarem. Sentei do lado deles e deixei que minha mente vagueasse nos últimos anos.
Quando minha mãe foi embora e deixou meu pai sozinho comigo, ele perdeu o emprego logo depois. Ele ficou desesperado e colocou currículo em todos os restaurantes possíveis, mas não adiantou muita coisa. Com o passar dos meses ficou quase impossível de pagar as contas, várias vezes precisou vender móveis da casa pra comprar comida. Até que não conseguiu manter mais o apartamento e aí fomos pra casa do melhor amigo dele, Marcos. Ele conta que foram meses difíceis. Depois ele conseguiu um trabalho de garçom, mas, mesmo assim, ficamos na casa do tio Marcos por 3 anos até que ele conseguiu um bom emprego de gerente de cozinha na cidade de Niterói, e foi nessa linda cidade que eu cresci.
Eu amava morar em Niterói. O bairro e a escola eram ótimos e eu tinha vários amigos. Meu pai teve que me colocar na escola um ano mais cedo por causa do trabalho. O tempo dele era bastante curto, mas ainda sim nós sempre tínhamos tempo juntos pra brincar, andar de bicicleta e assistir desenhos. Os anos morando lá foram os melhores que eu poderia ter, mas eu tenho má sorte. Pelo menos agora eu sei disso.
Eu lembro perfeitamente do momento em que tudo mudou. Eu tinha 13 anos na época e meu pai abriu a porta do meu quarto com o rosto transtornado. Eu não sei o que ele estava sentindo naquela hora, mas com certeza estava preocupado com o que eu ia dizer. Ele segurou minhas mãos e disse: "filha, sua mãe entrou em contato comigo hoje e disse que quer fazer parte da sua vida a partir de agora. O que você acha disso?" Se naquele momento meu pai estava preocupado, ele não precisava mais porque eu explodi de felicidade, comecei a gritar, chorar e pular na cama, tudo ao mesmo tempo. Eu esperei aquele dia chegar por todos os meus 13 anos de vida.
No início foi tudo o que eu pensei mesmo, ela passava muito tempo comigo e me levava pra vários lugares do Rio de Janeiro pra eu conhecer. Eu amava aqueles momentos. Até que, no ano seguinte, eu fui para o ensino médio. Parece que nesse momento uma chavezinha na cabeça dela virou e ela começou a ser tudo o que é hoje. As conversas eram sobre ter notas altas, pensar numa profissão, vestibulares e atividades que iam ajudar numa faculdade. Eu era uma garota de 14 anos no ensino médio e ela já colocou o peso do meu futuro nas minhas costas. Eu deixava de fazer coisas que todo adolescente faz pra ficar indo em grupos de estudo. Uma nota 8 já era motivo de escândalo. Meu pai não falava nada, aliás, nunca falou nada. Depois que minha mãe entrou em nossas vidas parece que ele se desconectou com o mundo. Na verdade, se desconectou comigo. Nossos momentos juntos eram quase que inexistentes, agora ele só trabalhava e parecia estar cada vez mais estressado.
Quando fiz 15 anos, pensei que tudo ia melhorar. Meu pai recebeu uma proposta de emprego pra gerenciar um restaurante na cidade de Seattle, Washington. Pensei que ficaria longe de toda aquela pressão e que meu pai voltaria a me dar atenção como antes. Mas consegue imaginar como é para uma renomada advogada ver seu ex, que é cozinheiro, ir morar nos Estados Unidos e ela não? Para uma pessoa orgulhosa e prepotente, é de matar. Por isso, logo depois de irmos, ela quis ir também. Eu achei que a vida estava do meu lado quando o visto dela foi negado duas vezes, mas mais uma vez a má sorte me acompanhou e na terceira tentativa, ela conseguiu. E se ela já pegava no meu pé antes, imagina depois que iniciei a escola nos Estados Unidos.
A pressão psicológica pra ser a melhor em tudo me acompanha há 7 anos e agora o pensamento que essa pressão sempre vai existir me fez sentir um vazio enorme. Eu não odeio minha mãe e eu sei que sempre tentei ficar a altura de suas exigências na esperança que um dia ela voltasse a me enxergar como sua filha mais uma vez, e não como uma máquina de talento. Mas, de qualquer forma, ela era o mais perto de uma mãe que eu tinha e por isso sentia muito medo de perdê-la.
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Bad luck
RomanceSarah é uma jovem que nunca teve sorte na vida. Abandonada pela mãe, com o pai ausente e em um país completamente diferente, ela tenta superar as dificuldades e as surpresas que é a vida de universitária. Oii, você que quer ler. Essa é minha primeir...