Receitas de bolo e primeiras impressões

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Admirava-se que alguém a permitisse sair de casa sem uma focinheira. Se é que uma seria suficiente para conter tamanho furor, Butch resmungou, enquanto sentia sua testa latejar.

Provavelmente até tentaram arrumar alguma, quando perceberam o quão irremediável se encontrava a situação, mas ela devia ter quebrado todas com os dentes. Os mesmos que ele sentia que a referida "milady" queria usar para arrancar sua cabeça. Riu maliciosamente. Talvez depois perguntasse à Jane onde se localizava a toca da fera que vagava por aquelas terras e enviasse ele mesmo uma que não seria tão facilmente quebrada, como prova de sua boa vontade para com aquela comunidade.

Tinha certeza que ouviria seu rosnado ensandecido por todo o prado. O cenário extremamente deleitoso de completa fúria da mulher de olhos esverdeados que estava começando a se formar em sua cabeça fez com que a tensão em seu pescoço diminuísse. Ela teria muito a dizer, exatamente como tivera naquela tarde.

Qual fora a última vez que ele fora tão xingado? E com um repertório tão vasto? Aquele dragão de saias - apesar dela não as estar usando - certamente teria uma ou duas palavras novas a apresentar aos homens do mar.

Butch não era santo, passava longe disso. Um dos seus passatempos favoritos era apertar os botões de quem estivesse perto até que a pessoa tivesse vontade de esganá-lo. Dessa forma, estava acostumado a ouvir um ou dois praguejos dirigidos a sua pessoa. No entanto, vinha se mantendo mais tranquilo nos últimos meses. Um comportamento exemplar, diga-se de passagem. Reservara seu apreço pela adrenalina de um embate aos espaços feitos especialmente para isso. Porém, a forma como a moça respondia tão impetuosamente a suas provocações... fez com que seu lado endiabrado aflorasse em milésimos de segundo.

Aparentemente o dela também, se é que possuía algum que não fosse endiabrado. Um sorriso quase se formou em seu rosto, lembrando da figura pequena apontando seu dedo em riste em direção ao seu peito, como se fosse capaz de intimidá-lo. Mas antes que os lábios se repuxassem, enrugou o nariz, sentindo o vento trazer consigo o cheiro do colete que estava na parte de trás do cavalo.

Descobrira afinal, que não se tratava apenas de lama.

Aquela mulher era a própria definição do inferno, concluiu, puxando as mangas da camisa branca até os cotovelos.

Culpando-o por ser estabanada.

Ele realmente as vezes fazia com que as moças perdessem a noção do que ocorria a sua volta ou tropeçassem nas palavras, isso era fato. As vezes intencionalmente, em outras, não. Mas quem poderia ser responsabilizado por constituir tão bela figura? Os olhos humanos nem sempre estavam prontos para processar tudo aquilo quando o viam pela primeira vez. Era algo com que ele tivera que aprender a lidar.

Mas voltando à questão, não era ele o responsável pela total falta de graça daquela mulher, a não ser que sua atratividade natural estivesse aumentado seu campo de alcance para além do seu conhecimento e já fizesse efeito a metros de distância. Algo que não seria surpreendente de ocorrer.

Nem mesmo feras selvagens eram imunes a sua presença.

Uma bênção na maior parte do tempo, mas também sua maldição.

Ser irresistível tinha seu preço e ser quase pisoteado por mulheres com uma forte vontade de colocar um fim a sua linha de sucessão era apenas um deles.

Franziu as sobrancelhas, recordando-se da ameaça explícita de corrupção a sua virilidade. Tocou a extremidade de seus caninos com a língua, pensando em quão afiada era a da moça.

- Mas o que raios...? - Ouviu a voz de Boomer a alguns metros de si, já carregada com um tom risonho.

Nada mais agradável que ser o alvo do humor peculiar do loiro pelo resto da noite. Deixou o cavalo aos cuidados do cocheiro, que não pareceu se importar muito se o cavaleiro estava coberto de lama, conduzindo o animal até onde ficavam os estábulos.

La vie en rouge [PPG]Onde histórias criam vida. Descubra agora