Capítulo 4

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As dobradiças enferrujadas da porta da grande cozinha rangem ao passo que aumento meu campo de visão do interior do recinto. A escuridão era total. Tateei a parede a minha esquerda, percorrendo as leves ondulações formadas no interior do papel de parede amarelo, sentindo a escabrosidade sobre dedos tortos e encalombados, até alcançar mais abaixo o interruptor.

Em milésimos de segundos, à medida que as lâmpadas florescentes nos canteiros e o majestoso lustre de vidro temperado ascendiam, fazendo com que eu reconhecesse as faces risonhas de meus velhos amigos, um alvoroço de bramidos acompanhados de um frenético bater de palmas, inundava o ambiente.

Como era agradável estar diante dos meus melhores amigos. Era inenarrável o prazer que sentia nesse momento ao surpreender-me com a festa de aniversário dos meus 87 anos.

- Parabéns a você...- em uníssono, todos cantarolavam.

Fui levada por Camila, uma de minhas cuidadoras, ao centro da cozinha, e esgueirei-me por detrás de uma mesa que suportava sobre si, um bolo circular de dois andares, em que gotas de um chocolate viscoso escorriam por suas bordas nuas.

- Obrigada! – exclamei. Foi tudo que conseguia dizer diante de tanto carinho.

Olhei ao redor. Estava tudo tão lindo. Balões brancos e dourados revestiam o painel de fotos que representava a minha vida desde que chegara na propriedade. Revivi momentos inesquecíveis ao estar diante daquelas lembranças. Alguns dos que estavam presentes agora ali, compartilhavam algumas poses e se permitiam passar vergonha fazendo caretas comigo. Outros, que com saudosismo recordo, já tinham cumprido seus papéis, como protagonistas claro, e já tinham se despedido. Eu era imensamente grata por conhecer cada um.

Uma vela enfeitada foi acesa e com a salva de palmas, que findou a canção de parabéns, assoprei a pequena chama que resistia sobre a estrutura de cera. Enchi os pulmões e soprei com alegria a chama que bruxuleou em resistência e culminou em uma leve e expressiva fumaça.

Roubei um brigadeiro e um quindim de cima da mesa, e com pressa abracei cada um dos presentes.

Antônio, no auge dos seus 92 anos, parecia não me reconhecer. Encarava-me com os olhos serrados como quem desconfia de algo.

Luís, sentava-se no sofá com uma das pernas levantadas, ainda estava em recuperação de uma cirurgia nos ossos do quadril.

Mariana, apressada, destravou os aros da cadeira de rodas e veio em minha direção preencher-me com o seu caloroso abraço.

Susan, que assim como eu usava óculos fundo de garrava, deliciava-se com o creme de morango e avelã que deixava resquícios nas suas pronunciadas bochechas.

Verônica movimentava-se de um lado para o outro seguindo as batidas estimulantes, que fariam defuntos ressuscitarem, que provinham de duas caixinhas de som sobre a bancada de salgadinhos.

Camila, Jerônimo, Samanta, Alessandra, Fernanda e Moisés, tinham saído de seus respectivos postos de trabalho: no jardim, na lavanderia, na enfermaria, e na copa para comigo congratularem.

As minhas energias tinham sido recarregadas. Não poderia ser mal-agradecida e queixar-me da vida que estivera experimentando por todos esses anos, desde que coloquei os pés aqui. No começo fora muito difícil aceitar em morar nesta propriedade de longa permanência, onde fui extremamente bem-vinda e servida. Agora não conseguiria viver sem tê-los ao meu lado, desfrutando de momentos ímpares de companheirismo e altruísmo.

No fim do dia, depois de um passeio pelas areias finas da praia que ficava a menos de um quilometro de nossa habitação, eu desembrulhava com ânimo os presentes que tinha ganho dos meus amigos. Um batom, Dois esmaltes de cores claras em tonalidades pastéis, um frasco de perfume e uma escova de cabelos novas. Eles sabiam de tudo, e me incentivavam e ansiosamente aguardavam o meu encontro com Miguel.

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⏰ Última atualização: Nov 08, 2020 ⏰

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