Capítulo 3

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Silenciosamente, uma a uma, pronunciei com o pesar de uma confissão, as amargas palavras sinuosas caligrafadas e levemente envergadas para a direita, aglomeradas, suplicavam por misericórdia. A assinatura desajeitada na extremidade esquerda do desgastado pedaço de papel, desacompanhada, entristecia-se solitária. As lembranças dolorosas sucedidas ao excruciante momento de sua partida, retornavam aos borbotões. Eram agora tão nítidas, como se tivessem ocorrido nos dias anteriores ao de hoje. O bilhete fora por décadas o que me restou. O que restou de nós. Se é que nós um dia existiu. Agarrei-o junto ao peito e não consegui controlar a proeminente lágrima que percorreu lentamente as maçãs enrugadas de meu rosto. A saudade mais uma vez arrebatou-me, antecipando o contagioso contentamento que senti, meio envergonhada, ao lembrar-me que após todos estes anos, faltavam horas para o nosso encontro, ou melhor, nosso reencontro.

Tremelico em sobressalto, quando escuto ao lado de fora do quarto, três fortes pancadas contra a porta de madeira meio desgastada. Em um instante afasto-me da profundidade de minhas emoções. Limpo o rosto com as costas da mão e olho para o relógio de cerâmica, confirmando as minhas suspeitas - ainda estávamos na metade da manhã, o almoço ainda esperaria um pouco.

- Pois não? – pergunto aos plenos pulmões, direcionando-me à porta.

Espero um pouco. Tudo estava em completo silêncio. Conseguia ouvir ao longe a sonoridade melódica dos bem-te-vis ao aterrissarem nos galhos tortuosos das grandes mangueiras abarrotada de frutos de grandes proporções e até o tênue zumbido das abelhas que rodeavam o canteiro de flores no jardim de crisântemos a metros e metros de distância. Não ouço respostas e volto-me novamente à escrivaninha para arrumar a pequena bagunça que inevitavelmente criara na segunda gaveta.

Repentinamente três novas batidas rompem a calmaria do ambiente. Não ouso perguntar novamente e corro (como se eu conseguisse) em direção à porta e a escancaro abruptamente. Levo um susto quando me deparo com simplesmente o nada. Como assim? Com uma atração fugaz, meus olhos se direcionam ao chão, e fico euforicamente aflita ao deparar-me com pétalas de flores recém colhidas sobre o mármore negro. Encaro o calmo e silencioso corredor, ao perceber que as lindas pétalas vermelhas, que acredito serem de tulipas, formam uma tortuosa trilha, sem destino aparentemente definido. Com um sorriso nos lábios, aferrolho a porta atrás de mim e sigo a trilha na maior velocidade que consigo, até alcançar, em poucos passos, a linha de chegada - a cozinha da propriedade. Respiro profundamente na tentativa de acalmar-me um pouco. Aquilo tudo me deixara de cabelos em pés. Seguro firmemente o trinco de ferro, com certa relutância inicialmente, e abro a porta sem saber ao certo o que me espera do outro lado.

Uma Segunda Chance  ao Primeiro AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora