15/07/2015, 3:36PM
Observava pela janela o movimento das ruas enquanto escutava música em meus fones de ouvido. A viagem estava sendo longa, e ocorreram atrasos ainda maiores por conta de um tráfego de caminhões e um obstáculo na estrada, ou melhor, um tronco de árvore caído no caminho.
Já estava desde cedo no ônibus de viagem, e quando digo cedo, quero dizer desde as oito da manhã. Precisei acordar as cinco para poder chegar a tempo para pegar o ônibus, e dormi durante toda a parte da manhã. No momento, estava entediada e sem o menor pingo de sono. Não tinha com quem trocar mensagens e me sentia solitária por não ter nenhum companheiro de viagem comigo.
Essa foi a primeira vez que eu viajei sozinha. Das últimas vezes, sempre saí com meu pai e meu irmão ou com minha roda de amigos, e em todas essas vezes, desejei profundamente ter um momento meu, para espairecer e me lembrar de quem eu era fora da vida corrida com meu novo trabalho e terminando os estudos seculares... na teoria, era para ser um momento mágico e filosófico, mas agora que havia conseguido esse momento, tudo o que eu mais desejava era estar com meu pai e com meus amigos, porque assim, pelo menos, não estaria tão entediada.
Me ajeitei no meu lugar, já me sentindo desconfortável de ficar tanto tempo sentada. Enquanto me movimentava com discrição, reparei que o homem ao meu lado tirava um cochilo, então tentei não incomodá-lo para não escutar resmungos dele até o fim da viagem.
"Ele podia ser meu amigo de viagem, se não estivesse dormindo", pensei enquanto olhava para o homem, que usava uma blusa e cobria quase todo o seu rosto com a touca do agasalho. Estava de braços cruzados e cochilava com a cabeça um pouco abaixada. Encolhido daquele jeito, imaginei que deveria ser sensível ao frio do ar-condicionado infernal daquele ônibus, que me causava calafrios ocasionais, mas suportáveis.
O encarei por mais alguns instantes, na esperança de, em um passe de mágica, ele acordar e agir amigavelmente comigo, mas nada. Me lembrei que, no começo da viagem, ele passou grande parte do tempo mexendo no celular até que eu pegasse no sono e não soubesse sobre suas ações, então cogitei no íntimo que, em determinado momento, ele também teria se entediado e me encarou assim como eu estava fazendo, na esperança de que eu acordasse e também interagisse.
Meu rumo era em uma cidade do interior, onde passaria algum tempo em uma casa de praia que aluguei. Contudo, a cidade para onde eu iria era distante de Goldtown, local onde moro, indicando que a viagem já seria longa por si só, e a rota indicava poucas paradas em outras cidades. Deduzi que, pelos atrasos, chegaria no meu destino apenas pela madrugada, e isso me fez suspirar de desânimo.
Parei de encarar o homem e voltei a olhar para a janela. Vi apenas pinheiros e mais pinheiros, que em conjunto formavam uma floresta densa e quase sem sinal de vida nenhum, com exceção de animais voadores que aparentavam ser corvos. Com certeza, era uma paisagem de tirar o fôlego, por mais monótona que fosse.
Meu reprodutor de músicas passou a transmitir minha música favorita em sua versão acústica, e enquanto olhava pela janela do ônibus, me vi envolta em memórias e sentimentos de melancolia. Me lembrei exatamente dos piores e dos melhores momentos da minha vida, e entorno dessas lembranças, senti meus olhos marejando, e sequei rapidamente uma lágrima que escorreu. Cruzei meus braços enquanto olhava pela janela e fechei meus olhos, me deixando levar pela melodia enquanto repousava minha cabeça no banco, enquanto a música me fazia recordar de pessoas que já não estavam mais comigo.
Quando a música se encerrou, sequei uma outra lágrima discretamente e abri novamente os olhos, tentando me recompor.
"Chorar não vai trazê-los de volta", pensei. "Se trouxesse, estariam aqui já há muito tempo."
Já mais calma, continuei tentando me distrair enquanto olhava a paisagem, e me arrependi amargamente por não ter baixado episódios da minha série favorita para assistir durante o caminho, e como não queria acabar com meu pacote de dados assistindo online, me contentei em observar a paisagem.[...]
Passou-se mais trinta minutos e o ônibus parecia não se aproximar nunca de cidade alguma. Continuei em meu canto, quieta e distraída em meus pensamentos. Em pouco tempo encontrei um meio de acabar com meu tédio: fantasiando mistérios em um universo em minha mente em que eu era uma detetive profissional, e os resolvia com exímia facilidade, assim como Sherlock Holmes. Isso aparentava estar dando bons resultados, pois não havia me dado conta do tempo que passou até que eu senti alguém me cutucando e eu voltei à realidade vazia e, na maioria das vezes, melancólica.
Olhei na direção que senti o toque e percebi que era meu colega de viagem que eu não conhecia. Pelo que pareceu, ele havia acordado no meio período em que me dispersei. Fiz uma expressão de dúvida enquanto o olhava, então retirei um dos fones para prestar atenção no que ele iria dizer:
- Desculpe, não queria incomodar - ele falou com um tom de voz neutro, embora fosse muito educado. - Você pode...?
Enquanto falava, me mostrou um cabo USB, e imediatamente deduzi que ele queria que eu conectasse o cabo na fonte ao meu lado, para que ele pudesse carregar o celular.
- Sim, sem problema - respondi com simpatia, cuidadosamente segurando o cabo e o conectando na fonte.
- Obrigado - ele me respondeu, conectando a outra parte do cabo no carregador, então após se certificar de que horas eram, me entregou o celular. Peguei o aparelho dele e então o deixei sobre uma superfície apropriada, de modo que ele não caísse no chão de acordo com a movimentação do veículo, e ali ele ficou, carregando.
Olhei mais uma vez para o homem e pensei que aquela era minha chance de socializar, então pausei a reprodução de música no meu aparelho, percebendo que já eram quatro e vinte e quatro e, sem mais rodeios, disse:
- Desculpa se for muito pessoal, mas para onde você vai? - quando fiz essa pergunta, o homem, que já havia cruzado seus braços novamente, talvez para tentar dormir mais um pouco, virou seu rosto para me olhar. Ainda era difícil ver seu rosto, pois ele não havia abaixado a touca da blusa, mas isso não me incomodava tanto.
- Saio na próxima parada - ele respondeu com objetividade.
- Em Duskwood?
- Sim.
- Ah, legal... nunca fui pra lá.
- Essa é a minha primeira vez em muito tempo.
- Entendi.
Me arrumei um pouco mais no meu assento.
- E você? - ele me perguntou, ainda me olhando. Parecia tentar agir com simpatia, embora estivesse nítido que ele não soubesse como continuar puxando assunto. - Vai para onde?
- Salem.
- Nunca fui para lá - pensei, com as palavras ditas por ele, que essa foi uma tentativa de me imitar.
- Eu também não, é a minha primeira vez.
Ficamos em silêncio após esse breve diálogo. Eu queria tentar continuar me entrosando, imaginando que ele poderia ser um novo amigo, mas não sabia o que fazer. Fiquei quieta até o momento em que senti vontade de comer, então tirei do bolso da minha blusa uma barrinha de cereais e a ofereci para o homem.
- Quer um pouco?
- Ah, não, obrigado - ele respondeu com educação.
- Não seja tão tímido - sorri enquanto o olhava, logo abrindo a embalagem, quebrando metade da barrinha, ficando com uma metade e oferecendo a outra para o meu colega de viagem.
Devo tê-lo coagido a aceitar com minha atitude contra sua própria vontade, mas no fim, o homem pegou a metade da barrinha.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Duskwood
FanfictionAVISO: Essa história é baseada em um jogo. Personagens, cenários e acontecimentos em sua maioria são de autoria dos produtores de "Duskwood" (disponível na Play Store). Os personagens que não são originados do jogo são de autoria própria. A história...