Ariel - 1806

163 17 8
                                    


02 de setembro de 1806, Aurea


O céu ainda começava a clarear quando acordei. Em qualquer outro dia eu simplesmente rolaria na cama e aproveitaria os próximos minutos ou, com sorte, as próximas horas de sono. Mas a lista de afazeres parecia estar gravada a ferro quente em minhas pálpebras, impossível de ser ignorada.

Com um bocejo, sentei-me na cama que parecia grande demais sem Magnus ali. Por mais que eu quisesse ter ido com ele até o Porto de Jade, fazer uma viagem tão longa com uma criança de quatro anos e um bebê de dez meses seria... difícil, para dizer o mínimo. E eu não poderia ficar muito tempo longe de Aurea de qualquer forma, não com o tradicional baile da Duquesa de Jade se aproximando.

Ou melhor, batendo na porta, já que hoje era o "grande" dia.

Uma olhada rápida para o relógio acima da lareira revelou que ainda era cinco e quinze da manhã.

Cedo demais.

Lutando contra o magnetismo que a cama exercia sobre mim e contra os cobertores que pareciam determinados a me manter onde eu estava, levantei-me. Um passeio a cavalo no parque deveria ser o bastante para que eu acordasse de vez e reunisse a energia necessária para lidar com a preparação final do baile.

O leve aroma de jasmim me envolveu quando entrei no quarto de vestir que, graças a uma reforma exagerada da avó de Magnus, poderia muito bem ser o quarto principal. Todos os meus pertences preenchiam um terço do espaço que as vestimentas da antiga duquesa ocuparam um dia, mas, graças ao bom senso de Adriana, as cortinas douradas e o papel de parede vermelho tinham desaparecido anos antes, assim como o retrato gigantesco da mulher.

Escolhi um traje de montaria ao acaso e trancei meu cabelo. A única vantagem de sair àquele horário era a certeza de que nenhuma inspetora das boas aparências estaria no parque para criticar a falta de cachos perfeitos emoldurando o meu rosto.

Antes de sair, fui até o quarto das crianças, abrindo a porta apenas o suficiente para espiar o interior. Olga roncava de leve em sua cama, parecendo dormir profundamente, mas eu sabia que bastava qualquer ruído de Valerius ou Aline para que ela despertasse e começasse a agir como a babá preocupada de um livro de histórias.

Valerius estava deitado de bruços sob a bagunça que seus cobertores sempre se tornavam ao longo da noite, como se eles travassem uma batalha árdua por horas. Considerando que um dos cobertores estava no chão e o outro na metade do caminho, eu diria que meu filho estava ganhando.

Em seu berço, Aline dormia encolhida como uma bola, o cabelo tão ruivo quanto o meu se destacava contra a fronha branca e as sobrancelhas franzidas de leve, faziam parecer que ela resolvia algum problema em seus sonhos. E, claro, ela estava abraçada à sua boneca de pano favorita, um presente de ninguém menos que Ian.

Sim, havia uma ironia ali em algum lugar.

Dei um passo para entrar no quarto, mas me detive. Mesmo se eu apenas ajeitasse a confusão que era a cama de Valerius, Aline acordaria — ela parecia ter um sexto sentido para quando eu ou Magnus estávamos por perto — e grudaria em mim como um carrapato. O carrapato mais adorável de Adamantys, sem sombra de dúvidas, mas mesmo assim era melhor que eu resolvesse o maior número possível de coisas antes que ela e Valerius levantassem.

Com uma última olhada nos dois, fechei a porta e me apressei até a escadaria, parando brevemente no escritório de Magnus para pegar alguns biscoitos que a cozinheira deixava em um pote para emergências como, por exemplo, a Duquesa saindo para cavalgar antes que o preparo do café da manhã sequer tivesse começado.

Adamantys - Cenas Extras e DeletadasOnde histórias criam vida. Descubra agora