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Entro em casa e dispo-me a correr. Quero meter-me na banheira o mais rápido que conseguir e quero esquecer que este dia começou.
Ligo a água e deixo a água quente cair-me pelo corpo. Esfrego com a esponja com tanta força que sinto a minha pele arranhada. Tenho nojo do Alex e não entendo como é que alguma vez na vida eu pude estar com uma pessoa assim e não saber.

"Jamais te faria mal, Mel" ele diz enquanto estamos os dois na piscina "tu és uma rapariga tão doce... não entendo como é que alguma vez alguém te poderia fazer mal" ele beija-me com paixão

"Juras que nunca vais deixar que alguém me faça mal?" Digo fazendo beicinho

"Juro"

Quem mais jura mais mente e eu devia ter sabido isso. As lágrimas caem sem pedir permissão. No fundo ele nunca saiu de mim. Ele esteve sempre no meu coração e por isso é que eu me sinto tão magoada.
Deixo-me cair no chão. E se ele tivesse realmente abusado de mim? A verdade é que ele abusou, no entanto, não efetivou o ato sexual. Porquê? Quis só assustar-me? Mostrar poder?
Enrolo-me na toalha e visto a roupa mais confortável que tenho. Faço um chá e deito-me no sofá. Está silêncio. Eu não quero ouvir nada. Não quero ver nada. Penso que como seria bom ter um ombro amigo. Como seria bom ter uma amiga com quem eu pudesse desabafar... serei a única pessoa sem uma amiga? Serei a única pessoa cuja amizade foi atraiçoada?
O meu telemóvel toca sem piedade. Olho com uma ligeira curiosidade para o ecrã e vejo o nome do Harry. Não vou atender. Não me vou mexer deste sofá.  O telemóvel continua a tocar e eu decido tirar-lhe o som. Olho para o móvel à minha frente e vejo a caixa das fotografias. Eu sei o que tem lá dentro. Eu não devia voltar ali, contudo, eu não me posso deixar ser intimidada pelo Alex. Abro a caixa e vejo o nosso álbum de fotografias. Observo as fotografias em que estávamos juntos e corto-as a meio.

"Como é que tu estavas tão enganada Mel?" Falo sozinha enquanto o vejo agarrado a mim nas fotografias "como não viste o interior dele? O amor cega-nos mesmo..."

A campainha toca e eu assusto-me. Será que é ele? Sinto as mãos a tremer. Fico em silêncio sem me mexer, se não ouvirem barulhos dentro de casa ninguém vai tocar de novo. A campainha soa cada vez mais irritante e já consigo sentir batidas na porta. Caminho silenciosamente e no momento em que vou a espreitar pelo óculo batem outra vez na porta fazendo-me recuar com medo.
Ganho coragem e espreito e vejo que é o Harry.

"Eu vou ligar para as urgências" ouço ele a dizer ao telemóvel "tem que se passar alguma coisa, todos os que a viram disseram que ela saiu a correr! Se não fosse para vir para casa para onde ia? Ela estava em horário de trabalho e não justificou nada a ninguém... Opa não sei"

Não faço ideia de com quem é que ele está a falar mas decido abrir a porta como forma de respeito. Ele olha-me de cima abaixo e eu sei que devo estar num estado lastimável. Sinto os meus olhos inchados, ainda tenho as mãos a tremer um pouco do susto e estou cansada. Muito cansada...

"Mel..." ele quase que diz num sussurro "o que é..."

"Está tudo bem Harry" eu minto. Jamais poderia dizer a verdade ao meu patrão "quem te deu a minha morada?"

"Vi na tua ficha de inscrição... tu não atendias... posso entrar?" Ele olha-me confuso

"Eu..." penso no que posso dizer para evitar estar fechada com outro homem "hmmm eu não estou..."

"Mel, abandonaste o teu local de trabalho em horário laboral. Não atendeste as minhas chamadas. Acho que o mínimo que podes fazer é explicar-me o que se passa. Eu não estou aqui como patrão, estou como amigo. Na verdade também estou como patrão mas preferia que visses mais como amigo... não te quero penalizar"

Ele tem razão. Eu abandonei o meu local de trabalho sem justificação. O mínimo que posso fazer é arranjar alguma desculpa e convida-lo para um chá?!

"Entra" digo fechando a porta atrás dele

Acelero o passo até à sala e apanho todas as fotografias cortadas do Alex e deixo no caixote do lixo da cozinha. Ele não pode nem imaginar que isto é por causa do Alex.

"Andaste a ver fotografias antigas?" Ele olha para o chão

"Hum sim..." digo sem arranjar alguma outra justificação

"Sempre me disseram: não queiras voltar ao sítio onde já foste feliz" ele senta-se no sofá com um pequeno sorriso

Olho para ele. Eu fui feliz. Eu era feliz com o Alex por estranho que pareça.

"Acho que quem te disse isso tem razão" digo arrumando o álbum dentro da caixa "queres alguma coisa? Um chá, café...?"

"Quero que te sentes aqui..." diz olhando para o espaço livre ao lado dele "por favor"

Faço o que ele me pede. Observo o seu ar sereno mas cheio de curiosidade ou talvez preocupação sobre o que se passa comigo.

"Hey..." ele toca-me na mão e eu sinto-me tensa. Ele percebe e retira imediatamente "eu só quero que tu me digas o que se está a passar. Por favor" ele olha-me nos olhos quase a suplicar "esta não é a Mel da entrevista que estava disposta a tirar-me o lugar. Esta não é a Mel que hoje mostrou o que vale. Esta não é a Mel que fez frente ao Alex sem medo. Tu sabes o valor que tens! Tu não estás a ser tu e eu acabei de descobrir que odeio ver-te assim"

Imagens do pós reunião surgem-me na mente e desabo em lágrimas. Fazer frente ao Alex? Eu fui uma fraca!

"Hey Hey Hey" ele diz abraçando-me "o que é que se passa Mel?"

"Eu não quero falar..." digo entre soluços

Será que não quero falar ou tenho medo das represálias?

"Shhh... está tudo bem. Eu estou aqui para ti" ele diz enquanto me deixa pequenos beijos na testa

Medicine |H.S.|Onde histórias criam vida. Descubra agora