A carta

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"Wiltshire, 19 de janeiro de 1999.

Curioso leitor,

Não sei para quem escrevo além de mim mesma. Não acho que alguém se interessaria a ler essas linhas, não consigo pensar em ninguém que se preocuparia com uma carta de uma mulher desinteressante como eu. Não posso pensar em ninguém, exceto uma pessoa verdadeiramente curiosa, que mesmo que não entenda nada do que direi aqui, jamais conseguiria largar esses pergaminhos sem antes terminá-los.

Caminharei dentro de trinta minutos para meu julgamento. Pude aguardá-lo em domicílio, com a pulseira monitoradora do Ministério em meu punho esquerdo. Mas não pense que isso tornou tudo menos difícil. Estou sozinha aqui, completamente solitária dentro dessa fortaleza imperial que é a Mansão Malfoy. Meu marido foi sentenciado à Azkaban três meses atrás e meu filho – que foi condenado a pagar uma gorda indenização, além de realizar trabalho comunitário – se diz assombrado pela casa em que nasceu e foi criado e deixou-me para se mudar para Yorkshire.

Não posso culpar Draco. Na verdade, jamais o faria. Entendo o que ele sente pois também me sinto oprimida pela gaiola que essa casa se tornou. Essas paredes fortificadas e o jardim colossal me prendem há muito mais tempo do que carrego essa pulseira em meu braço, os móveis, quadros e fotos me perseguem desde muito antes da queda do Lorde das Trevas.

Como eu ia dizendo, irei me encaminhar para o Ministério da Magia dentro de alguns minutos. Ou melhor, serei encaminhava pela equipe de aurores até a Suprema Corte dos Bruxos para ser julgada pelos meus crimes de omissão e associação às trevas. Não sei se voltarei para casa – se ainda posso chamá-la assim. Na verdade, não sei ao menos se sairei de lá, a não ser para ir para Azkaban.

Não me farei de santa, isso tampouco é do meu feitio. Meus pais, um Black e uma Rosier – membros antigos dos Sagrados Vinte e Oito -, fizeram um trabalho eficiente em passar seus ideais puristas para suas filhas. Ou não tão eficiente, na verdade.

Tenho uma teoria de que há um gene recessivo que ronda a família Black, um gene raro que se apresenta unicamente naqueles que são o ponto fora da curva naquela família. Sirius teria nascido com esse gene, escancarado em sua personalidade desde muito novo. Andrômeda também.

Andrômeda tinha treze anos quando confrontou nossos pais pela primeira vez. Lembro-me da sua voz firme e postura dura, muito estranhas para uma adolescente. Lembro-me, também, do tapa forte que nossa mãe desferiu em seu rosto delicado. Não houve uma única lágrima, nem mesmo um gemido, apenas uma careta de dor. Andy sempre foi a mais forte de nós três. Mais forte, até mesmo, do que Bellatrix, que sempre foi uma menina assustada e arrogante que tentava esconder suas inseguranças atrás de uma imagem de louca.

A bofetada foi o suficiente para manter Andy quieta. Ficou calada por anos. Um silêncio tão grande que rondava até mesmo a mesa de jantar durante as refeições, inclusive aquelas regadas por conversas e vinho. A quietude se rompeu, ironicamente, com um silencioso grito de rebeldia: um pequeno bilhete de despedida sobre o colchão frio de sua cama em uma noite de 1969.

Contudo, o tapa não foi o suficiente para calar as ideias de Andy. Na época daquele confronto, eu tinha nove anos, e aqueles dizeres, tão diferentes do que me fora ensinado, ecoaram na minha cabeça juvenil por muito tempo. 'Rebata ódio com ódio e verão o mundo em chamas', minha irmã tinha dito. 'Não deveríamos ter aprendido algo com os alemães?'

Aquilo reverberou em minha mente por um longo tempo, mas a dúvida e medo me impediram de questionar o que me fora ensinado. Conforme cresci – e com o silêncio daquela que era o ponto fora da curva na minha família -, as perguntas foram empurradas para um canto esquecido em minha mente. Afinal, se Andrômeda estivesse certa, mamãe não teria a punido. Se estivesse certa, não teria se calado.

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