Capítulo 3

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Alice era autista.

Sendo sincero, Nicolas não sabia muito bem o que fazer com aquela informação. Parando para pensar, aquilo não tinha um grande impacto no relacionamento que tinha com ela – não foi um empecilho antes, não seria um agora que ele sabia.

Ao mesmo tempo, não era algo irrelevante, era algo que o fez ficar pensativo e um pouco preocupado. Agora ele percebia o quão pouco sabia sobre o autismo. Lembrava vagamente de uma coisa ou outra que ouviu durante o ensino médio em alguma aula de biologia, explicações técnicas e etecetera, mas agora era uma situação completamente diferente. Alice era uma pessoa real, não um exemplo ou um objeto de estudo. Nicolas se perguntava se tinha sido indelicado com ela sem perceber, se disse algo problemático ou causou desconforto na garota sem perceber.

Sabia muito bem que quando ficava ansioso – e isso acontecia com certa frequência – não media as próprias palavras e falava sem nem ao menos parar para respirar e, por vezes, acabava até mesmo se esquecendo de uma coisa ou outra que disse.

Natália e Natasha não tentaram arrancar nenhuma informação quando Nicolas chegou naquela noite. Ambas apenas encararam o irmão que parecia estar em outro universo sem dizer nada até que ele sumisse pelo corredor. Por um lado, estava aliviado por poder pensar sozinho, às vezes ter as duas garotas contribuindo com seus pensamentos apenas pioravam tudo, no entanto, um sentimento de culpa misturado com preocupação estava começando a sufocá-lo.

Como se estivesse sentindo os pensamentos de Nicolas ficarem mais altos, Natália anunciou sua presença já entrando no quarto do irmão. Mesmo com uma diferença considerável de idade, os dois sempre conseguiram se entender muito bem - principalmente quando nenhum conseguia se expressar por palavras.

A garota se jogou na cama ao lado de Nicolas e permaneceu em silêncio, como se estivesse dando um sinal verde para que o irmão começasse a falar, caso quisesse falar. Acabaram ficando um tempo assim, sem sequer ousar olharem um para o outro. Natália cantarolava alguma melodia qualquer enquanto brincava com o próprio cabelo, e Nicolas tentava organizar os pensamentos. Ter a irmã ali deixava sua mente mais leve e era como se, sem perceber, ela estivesse o ajudando a aliviar um pouco o peso que o sufocava.

Por fim, acabou se sentando na cama e, sem tirar os olhos da parede a sua frente, contou para a irmã sobre sua descoberta de algumas horas atrás. Explicou como Alice disse ser autista enquanto Laura ria da sua cara surpresa e sobre como se sentiu a criatura mais idiota da face da terra por não ter notado nada.

– Não sei se você entende, mas, eu passei esse tempo todo sem ter noção alguma, me pergunto se fui indelicado em algum momento. Ou se, não sei, ultrapassei algum limite? – Nicolas disse sentindo seu estômago revirar com a possibilidade. A irmã ainda estava deitada de qualquer jeito na cama, mas o encarava séria.

– Eu não entendo, desculpa. Mas, se serve de consolo, acho que se ela tivesse se sentido desconfortável em algum momento, teria avisado. Nem todo mundo é igual a você, sabe? – Natália respondeu rindo. Sabia como o irmão se preocupava demais às vezes e como tinha dificuldade em se livrar de situações desconfortáveis.

– Se é tudo que vai me dizer, pode sair. – Disse já sem paciência. Estava com a cabeça cheia o suficiente, não precisava da irmã o enchendo mais.

– Qual é! Eu estou brincando. – A garota se sentou na cama tentando segurar o riso. No entanto, o semblante genuinamente preocupado de Nicolas a fez desistir da piada – Você pode simplesmente pesquisar na internet um pouco mais sobre autismo. E aí, quando conversarem de novo, ao menos terá um pouco mais de noção.

– Pesquisar...

– Mas quando tiver uma oportunidade, pergunta diretamente para ela. Acho que é o mínimo que você pode fazer, sabe? – Natália ofereceu um sorriso pequeno ao irmão antes de descer da cama e deixar o deixar sozinho com seus pensamentos.

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