prólogo

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E eu estava correndo para muito longe
Eu fugiria do mundo algum dia?
Ninguém sabe, ninguém sabe
E eu estava dançando na chuva
Eu me senti viva e não posso reclamar

- Runaway, Aurora

Corríamos sob a chuva sem medo de ficarmos resfriados. As gotas incolores acumulavam-se em nossos cabelos e roupas enquanto exibíamos um enorme sorriso. Era como se a iminência do amanhã fosse uma piada barata e sem graça. E naquele momento não haviam colegas de classe maldosos, professores insensíveis ou pais fanaticamente religiosos e mortalmente rigorosos. Éramos apenas Donghae, a chuva e eu. Mas não haviam sons. Nós atravessávamos uma paisagem fúnebre e silenciosa sorrindo como se aquele fosse um evento único.

Pela visão periférica vi Donghae cair sobre a grama molhada. Ele ria bastante e rolava sobre ela sujando toda a roupa, a camiseta branca agora estava imunda. Era uma visão engraçada. Me ajoelhei ao lado dele e sua mão agarrou a minha, me fazendo deitar também. Se tivéssemos plateia naquele momento certamente seríamos vistos como loucos, e se fôssemos adultos aquela conduta seria reprovada, porque o que fazíamos parecia banal para um adulto reproduzir.

Donghae soltou minha mão e ergueu o corpo. Ainda sustentava um sorriso. Ele encarou seu relógio de pulso e em seguida avaliou minha expressão com bastante cautela. Eu sabia o que aquele gesto significava.

As mãos dele ergueram-se até a altura de seus ombros e começaram a movimentar-se.

- Você não precisava ter me acompanhado. - seu olhar vagou pelo meu cabelo e em seguida avaliou o estado de minhas roupas.

Suspirei, antecipando o que eu enfrentaria ao chegar em casa. A cena se desenrolava perfeitamente em minha cabeça e eu apertei as mãos ao lado do corpo na tentativa de reprimir a vontade de desabar ali mesmo. Voltei à realidade quando meu corpo foi puxado e colocado de pé.

- Tenho uma solução - sinalizou.

Sua mão segurava a minha com força enquanto andávamos em direção aos portões da escola. A palma dele estava gelada e a minha se encontrava no mesmo estado. Estancamos na calçada do colégio e finalmente me dei conta de que a chuva havia cessado.

Donghae puxou seu celular do bolso traseiro da calça e discou algo, levando o aparelho ao ouvido e começando a mexer os lábios. Desviei o olhar daquela cena e foquei em observar meus pés e o que havia abaixo deles. Não era intencional, mas quando seus lábios separavam-se para iniciar um diálogo, meus olhos focavam em qualquer figura que não fosse ele.

Inconscientemente, ergui a mão e toquei um de meus aparelhos auditivos. Deslizei minha palma até a saia azul marinho do uniforme escolar e apertei o tecido áspero com bastante força. Novamente, um movimento involuntário. No fim, era a isso que eu estava fadada, a uma sequência de movimentos involuntários.

Seus dedos tocaram os meus pela quarta vez, me concedendo liberdade temporária daquela série de pensamentos intrusivos. E num movimento simples, rápido e desprovido de floreios, sua pele uniu-se à minha por completo.

Mil Tsurus [antiga Ao Som da Chuva]Onde histórias criam vida. Descubra agora