O pai do meu pai, vovô Leone, era um sonhador. Pelo menos, era isso o que eu ouvia falar dele.
— E o que e um sonhador? — perguntava.
— Um homem que vive com a cabeça nas nuvens — me respondiam.
Eu ficava maravilhada! Via meu avô Leone como uma árvore de Calabria, assim como meu avô Vincenzo, mas uma árvore que subia até perder-se de vista... Vai ver, ele falava com deus, que eu tinha a ideia de que moravam num castelo lá em cima, não em ruínas como aquele que existia na parte alta da aldeia, mas majestoso e luminosamente azul.
Se não falava com deus, com os astros eu tinha certeza de que falava. Pois todos diziam que ele era um astrônomo.
Possuía até uma luneta, com a qual ficava morando a lua nas noites claras de Saracena.Eu ia ve-lo de vez em quando, ao visitar meu irmãozinho Caetano, que vivia com ele. Vovó Fortunata, sua mulher, morrerá pouco depois de eu ter nascido, e foi por isso que me puseram o nome dela. Vovô ficará sozinho na sua enorme casa, onde vivia agora com uma filha solteira e Caetano, seu netinho. Ele tinha um filho homem ainda vivo, mas era como se não tivesse: meu tio Cherubini era padre e vi ia fechado num convento longe dos muros que cercavam a Saracena. Só de quando em quando ia a aldeia para visitar o pai e pedir e dar-lhe bençãos.
Eu gostava muito de conversa com vovô Leone, quando ia brincar com Caetaninho. Ele era muito bom comigo, embora parecesse não ter muito jeito com as meninas. Levava-me até um canto da casa, abria caixas cheias de figos secos e me oferecia uma porção deles. Era uma delícia, principalmente os açucarados figos brancos. E, enquanto aquelas delícias desmanchavam na gula da minha boca, ele me mostrava sua biblioteca cheia de livros, onde, apontada para uma janela, estava a luneta mágica com que conversava com os astros durante a noite.— Vovô Leone, quantas estrelas há no céu — eu lhe perguntava.
E ele respondia com um ar misterioso:
— Não sei, Fortunatella. Ainda não acabei de contar...Aí ele me falava que que as estrelas, como as pessoas aqui da terra, também não gostavam de viver sozinhas. Por isso, agrupavam-se em constelações, muitas delas com nomes dos bichos terrestres: águia, urso, touro, cão...
E eu ficava imaginando a noite como um grande campo escuro onde pasta-vam animais luminosos e estranhos. As vezes, um desses animais, um filhote, tinha vontade de voltar para a terra e despenca a lá de cima. Mas vovô Leone me explicava:
— São as estrelas cadentes, Fortunatella, pedacinhos incandescidos de matéria que se desprende do espaço.
— É preciso fazer um desejo quendo elas caem, vovô? — perguntava eu, repetindo o que ouvia das outras crianças da aldeia.
— É bom fazer, e bom fazer — sorria vovô Leone. — Não custa nada. Os desejos são assim como as estrelas cadentes.
Acendem e apagam com a mesma rapidez...
Eu não entendia o que ele estava querendo dizer, mas pensava que o meu avô astrônomo era homem muito sábio, que devia entender de coisas que ninguém imaginava ali na aldeia. Um sonhador, como me diziam.
E o sonhador agora me revelava uma coisa espantosa:
— Há estrelas que viajam pelo céu, Fortunatella. São os cometas. Tem cauda e cabeleira.
— Como um animal, vovô?
— Como um animal do céu. Eles demoram muito para aparecer. E, depois que aparecem, demoram para voltar.
Eu ficava maravilhada. Será que também entre os astros havia emigrantes, querendo se transplantar para outros céus?
— Vovô, eu quero ver um cometa!
Ele me levava até a janela. E me fazia voltar os olhos para o alto, onde o sol reinava sobre Saracena.
— Não há nenhum visível no momento. Mas você já de ver um deles, o mais conhecido, que, muito tempo atrás passou no céu da Itália.
Muito tempo atrás... Atrás de onde? Atrás da minha memória daquele tempo.
E vovô Leone continuava:
— Um dia, você há de estar mocinha, e eu já estarei morando junto das estrelas. E você há de ver a volta do grande cometa, lá no pelo ano de 1910...
Eu me agarrava à cauda daquele tempo que meu avô astrônomo me mostrava como os olhos do futuro e saia de sua casa. Na rua, com a cabeça nas nuvens, meus olhos brilhavam como estrelas errantes. Só baixavam à terra quando chagava à casa de vovô Vicenzo, o camponês.
Era preciso limpar os pés antes de entrar...
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A menina que fez a América
Misterio / SuspensoAno de criação: 2017. Descrição: Saracena, Itália, afinal do século XIX. Em uma pequena aldeia, camponeses e artesãos sonham com sótãos repletos de Alimento para o inverno. Aí vive Fortunatella. Depois da morte do pai, a mãe se casa novamente e part...