Capitulo 2: O sonho da América

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Eu nasci no ano de 1890, numa pequena aldeia da Calabria, no sul da Itália. E onde fica a Itália?... E so olhar um mapa da Europa e procurar uma terra em forma de bota, que dá um pontapé no mar mediterrâneo e um chute de calcanhar no mar adriático.

E lá.

Lá, naquela terra entre mares, foi que eu nasci num dia de inverno, quando as flores silvestres que perfumavam o ar puro dos campos da minha aldeia estavam a espera do reflorescer da primavera.

Saracena: este era o nome do lugar pequenino o de nasci.

Eu disse "era", embora o lugar ainda exista e tenha crescido, como eu também cresci. Mas, como nunca mais voltei para la, acho que não pode ser mais o mesmo que conheci e onde vivi até os dez anos de idade. A saracena de 1890 era aquela sem a comunicação do telefone, os sons do rádio e as imagens da televisão nas casas; sem o eco dos carros e das motocicletas nas estradas ou ronco dos aviões sobre os telhados. A música que andava no ar, nos tempos da minha infância, vinha do canto dos pássaros, do chiar das rodas das carroças, das batidas dos cascos dos cavalos, do burburinho do riso das crianças e do lamento dos sinos da igrejas.

Era a vós da terra o de começava a minha vida e terminava o meu mundo.

Nunca cheguei a conhecer meu pai, Domenico Gallo. Só em retrato: um homen alto, bonito, de finos bigodes.

Dizem que ele ficou muito feliz quando eu e meu irmãozinho Caetano nascemos. Ah, esqueci de dizer que meu nome e Fortunata e que, quando menina, me chamavam de Fortunatella.

Meu pai morreu cedo, de um ataque no coração, quando eu tinha apenas dois anos de idade e meu irmãozinho era ainda uma criança de berço. E foi assim que minha mãe, Giuseppina Ventimiglia, uma jovem fiandeira da Saracena, ficou sendo uma moça viúva moça, com dois filhos para criar. Mas não ficou sozinha por muito tempo, por que as comadres da aldeia passaram a encher-lhe a cabeça:
— Giuseppina, você ainda e forte e bonitona. Precisa casar de novo.
— Giuseppina, seus filhos precisam de um pai.
— Giuseppina, você já reparou no Vicenzo Laurito?
Ele também e jovem e viúvo jovem como você. E homem de futuro: ele quer fazer a América!
E o que significava, naqueles tempos, "fazer a América"?

Vou contar...

Em fins do século XIX, a vida estava difícil para os trabalhadores dos campos da Itália e de outras partes da Europa.

Faltava serviços e, quando havia, era mal pago. Então, começaram a surgir notícias de que lá, no outro lado do oceano, nas terras jovens e ainda pouco exploradas do Novo Mundo, havia necessidade de gente disposta a trabalha duro com a promessa de enriquecer em pouco tempo.

E os homens começaram a partir, sozinhos ou com as famílias. Iam para a América do norte ou vinham para a América do Sul, muitos deles para o Brasil.

Eram os emigrantes. E para cá eles vieram, sobretudo depois de 1888, a fim de substitui a mão de obra dos africanos, libertados após a abolição da escravatura.

Por isso, quando Vicenzo Laurito pedia a mão de Giuseppina Ventimiglia em casamento, foi logo dizendo:
— você quer ir para o Brasil comigo? As crianças ficam na aldeia aqui na aldeia com os avós, até juntarmos dinheiro por lá. Então mandaremos buscá-los.

Assim, Vicenzo casou-se com Giuseppina, e os dois partiram para fazer a América. E eu e meu irmãozinho Caetano ficamos sozinhos na Saracena. Ele, sob a guarda do pai de nosso pai morto;eu, sob os cuidados dos pais da nossa mãe ausente.

Éramos órfãos adotados em lares diferentes. Mas nosso destino comum já estava traçado: algum dia também nos seríamos dois pequenos emigrantes da Calabria, que atravessaram o mar em busca da família, agora partida em duas metades: uma, italiana, outra, brasileira.

CONTINUA...

A menina que fez a AméricaOnde histórias criam vida. Descubra agora