Capítulo 1

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Laura

Onze anos atrás...

Eu olhava pela janela do ônibus, entretanto era como se não visse nada. Lá fora, a paisagem, que recebia os primeiros raios de sol do dia, passava rapidamente, enquanto os pingos grossos de chuva caíam e escorriam pelo vidro. 

Minha cabeça estava apoiada na janela e o trepidar do ônibus juntamente da paisagem passando em alta velocidade estavam me embrulhando o estômago, contudo eu não ligava. Sentia como se aquele enjoo não fosse nada comparado à toda minha dor. 

Eu não tinha mais nada a perder, nem sabia como ainda estava conseguindo me manter firme, no entanto, no fundo, existia uma chama me impulsionando a continuar, a não desistir, como uma esperança de que as coisas melhorariam.

E foi justamente por sentir essa chama que eu tomei a decisão de recomeçar longe de Valença, no Rio de Janeiro. Juntei meus poucos pertences e a quantia em dinheiro que Flúvia me dera e parti no primeiro ônibus do dia em direção à capital do estado. Eu não conhecia ninguém no Rio, não sabia onde eu ficaria nem como faria para me sustentar se o meu dinheiro acabasse antes que conseguisse um emprego.

Cheguei à Cidade Maravilhosa ainda nas primeiras horas da manhã e, assim que saí da rodoviária, não sabia pra onde ir, o que fazer. Decidi pegar um ônibus que me levasse para a zona sul da cidade, afinal vivi a minha vida inteira em uma fazenda de leite no interior, por isso não conhecia o mar. 

Quando o ônibus entrou na avenida margeando a orla da praia, eu fiquei maravilhada com a imensidão azul e decidi fazer do sofrimento uma oportunidade para evoluir, ainda que não soubesse como.

Desci no próximo ponto e fiquei vários minutos contemplando a praia, o mar e as pessoas tão alegres, que pareciam não se envergonhar de mostrar seus corpos dos mais variados tipos, enquanto eu não me sentia à vontade no meu. 

Tomei coragem e tirei minhas sandálias, andando pela areia quente até que as ondas chegassem aos meus pés. A água estava fria, em contraste com a areia, porém isto não me afastou, eu já estava acostumada com o frio das águas da cachoeira da fazenda. Lembrar-me da cachoeira e, consequentemente, de todos os momentos que vivi nela, trouxe de volta toda a melancolia que eu vinha sentindo nos últimos meses.

As lembranças me despertaram do breve torpor e me fizeram mover meus pés de volta para a calçada, afinal eu precisava conseguir um emprego e um lugar para ficar o quanto antes, se não quisesse dormir na rua naquela noite.

Fui de estabelecimento em estabelecimento perguntando se tinham alguma vaga disponível, eu aceitaria qualquer serviço que me oferecessem, tamanho era meu desespero. Nos últimos dois anos eu havia trabalhado como cozinheira no casarão da Fazenda Concórdia e sempre cuidei do casebre onde eu e meu pai morávamos, não tinha medo de serviço pesado. 

Entretanto, logo percebi que conseguir algum emprego ali seria difícil. As lojas e restaurantes naquela parte da cidade eram chiques demais e eu era uma menina de dezessete anos recém-saída do Ensino Médio, sem currículo, referências ou sequer carteira de trabalho. Sem contar a minha mochila nas costas e as roupas simples que vestia.

Quando percebi que o sol já se punha no horizonte e aquele dia havia sido perdido, tratei de procurar por uma pousada para ficar. Mas não consegui encontrar um lugar que coubesse no meu orçamento muito limitado. Eu não fazia ideia de que horas eram, pois não possuía um relógio e meu celular simples havia sido perdido no acidente, no entanto sabia que já estava bem tarde, já que os restaurantes começavam a fechar suas portas. 

Aceitei que teria de dormir na rua aquele dia, no seguinte eu acordaria bem cedo e pegaria um ônibus para um outro bairro onde minhas chances de conseguir emprego e um lugar para ficar fossem maiores e onde as pessoas não me olhassem torto, como se tivesse com alguma doença contagiosa. Na verdade, esses olhares atravessados eram até bem comuns para mim lá em Valença, só que por outro motivo.

Destino: Adiante [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora