É exatamente a mesma coisa, desde a primeira vez que você se foi.
Eu já tinha entregado a você tudo que tinha, tudo que jamais poderia ter de volta, e agora você tinha que ir. Quis me proteger. Eu tentei vestir minha armadura surrada, não era muito, mas seria alguma coisa. Droga, eu precisava de alguma coisa, qualquer coisa, que me mantivesse em pé quando você já tivesse ido.
Mas por algum motivo, você se encheu de coragem, mudou o seu próprio discurso. Depois de meses - uma eternidade - tentando me alertar que uma situação como aquela seria o fim, você mesma voltou apagando o que disse, jogando ácido nas próprias palavras, extinguindo o rastro de si mesma e prometendo o que nós duas sabíamos que você não cumpriria.
Eu ainda tenho suas palavras gravadas no meu diário.
Não é um adeus.
Eu resisti. Neguei. Insisti que era, sim. Até ver as palavras largadas ali, na sua letra desleixada.
Me abracei nelas. E quando o inevitável aconteceu, afundei com elas. Afoguei.
E eu lembro exatamente a primeira vez que você voltou, o rabinho entre as pernas, o baixo onipresente nas costas. Tão cheia de carinho, tão cheia de saudades.
Lembro de derreter inteira, de morrer por dentro mil vezes, ressuscitar um milhão. Talvez por ainda não ter seu histórico para seguir, acreditei que seu primeiro adeus tivesse sido somente um desespero, medo irracional, um resquício de culpa. Te aceitei outra vez, braços abertos.
Ou, sejamos sinceros: de pernas abertas.
Dessa vez foi mais apressado, um toque de desespero, só uma pitada de saudade. Nenhuma dos dois vai assumir em palavras, mas ações são, de toda forma, melhores delatoras.
A essa altura, eu já havia relido suas palavras todas a milhões de vezes possíveis, antes com angústia e raiva, agora com uma esperança infantil. Misturada a todas as vezes que quis meu próprio fim, os minúsculos pedacinhos que eu podia roubar de você tinham gosto de paraíso.
Até você subir pelo ar, evaporar. Eu?
De volta pra água gélida, fundo do poço. Puxada para baixo por palavras que eu não sou capaz de largar.
Começou a ficar repetitivo. Você sumiria por semanas. Meses. Iria sempre ter um motivo plausível - que de plausível não tinha merda nenhuma - e uma historinha de tirar lágrimas de olhos tão sensíveis quanto os meus.
E em todas as vezes possíveis eu somente me abriria, deixaria você tomar de mim o que queria, pela segunda, décima, enésima vez.
E agora, quando me obrigo a voltar desde o começo, relendo palavras suas das quais eu já deveria ter me desfeito, eu posso ver o carinho delas se esvaindo aos poucos. Não havia necessidade, não é? Você já tinha desvendado o esquema. Já tinha assimilado minha incapacidade de dizer um simples não. A essa altura, eu já havia fadado a mim mesma ao fracasso.
Da última vez, eu gritei à mim mesma: basta. Chega. Pelo que há de mais sagrado, acabou. Eu vou fechar as portas, vou permanecer blindada.
Eu escrevi tudo que achei que precisava, assumi o meu erro dentro de mim mesma. Não tinha nem mesmo uma semana desde o dia em que eu disse para mim mesma que tinha virado a página.
Mas aí chegou. Uma mensagem de um número estranho. Ironicamente, um ponto final.
Tão evasivo e assustado, que só poderia ser você.
E é só agora, dias depois, e depois de já ter cedido outra vez ao que você queria. Só agora que você deu uma sumida, que pode ser de uns dias, umas semanas. Meses. Talvez, dessa vez, você desapareça por uns anos.
Só agora me cai a ficha de que eu voltei outra vez para a estaca zero. Sou eu aqui outra vez, nesse ciclo infinito com você.
E você pode ter dito que não vai se repetir, mas quantas vezes você já não repetiu exatamente a mesma coisa? É mais do mesmo, eu já não me surpreendo.
Você tem canto de sereia. Depois de tanto tempo, deve ter uma lista, uma planilha, tudo detalhado com as minhas fraquezas, com as minhas tristezas, com as coisas que eu deixei escorrer para os seus ouvidos. É mel que escorre pelos seus lábios quando você usa tudo isso para rastejar de volta para de dentro de mim.
É um maldito carrocel, gira em círculos, e toda vez que acho que escapei, é questão de tempo até que eu volte para o exato mesmo lugar.
Talvez eu esteja surtando. Talvez você só tenha tido uns dias meio cheios. Nem meus amigos de infância mantém contato todos os dias. Talvez eu esteja exagerando, mas não você não pode me culpar. Que garantia é que eu tenho das suas palavras? Você é sempre a primeira a quebrar o significado delas.
Não pode me culpar por nunca acreditar no que me diz, por brincar de adivinhar qual vai ser sua próxima atitude. É sempre exatamente a mesma coisa. Toda vez que você volta.
Dessa vez eu te dei o que você queria muito rápido, é normal que suma rápido. Mas estou com tanta raiva, e nem é de você.
É de mim.
É raiva de mim mesma por não ser mais forte. É raiva de mim mesma por sentir sua falta, por querer uma amizade que as vezes duvido que sequer exista. Ou tenha existido. Vai ver era sobre meu corpo desde o começo, e eu só estava a triste e perdida demais para perceber.
Hoje, eu reli tudo. Cada palavra. Todas as conversas são tão... Iguais. É a mesma fórmula, eu me deixo levar por ela, e cada vez é como se fosse a primeira. É excruciante, mas vicia. Vai me matar de pouquinho em pouquinho, mas é um quase nada que já me vale por ser alguma coisa.
Vicia por que é vago. Não sei dizer exatamente qual é o seu porque. Parece muito ser só mais uma artimanha de mais uma filha da puta, mas tem conversas que me confundem. Tem momentos em que a falta que eu te faço parece genuína.
Quando me faz perguntas bobas só pelo prazer de rir de uma resposta esperada, o alívio em ver que ainda sou exatamente a mesma. Ou quando trás de volta uma memória nostálgica qualquer, e parece realmente feliz em reviver um pouco daquilo. Quando deixa escapar uma declaração mais pesada, um "eu te" e aquela palavra de três letras que começa com A, e apaga a mensagem rápido, rezando para que eu não tenha lido.
A verdade é que eu não sei por que é que você volta, se coloca em risco tantas vezes. É um pouco demais para ser só físico, eu me pego pensando as vezes.
Mas ao mesmo tempo, seria completamente plausível.
Eu tenho quase certeza que todo esse desespero é vão, mas eu peço que entenda. Já virou trauma. Qualquer ausência sua já me causa angustia. Não consigo mais confiar em uma só palavra das coisas que você diz. E isso dói mais do que acreditar e ser ferida com a decepção.
Porque me faz parecer ainda mais estúpida. Sinto muito acreditar, as vezes, que você não se arrepende de verdade e vai continuar com isso enquanto eu permitir. Sinto muito se eu ainda permito. Não só te entrego a faca: eu levo a sua mão até o ponto onde você vai ferir.
Eu já chorei, eu já ri, eu já senti nostalgia, saudade, a mais pura raiva, dor.
É uma onda de amor, um ataque de ódio, uma nesga de tristeza.
Amo e odeio você, tudo que você fez, o que você faz e provavelmente ainda vai fazer, até o infinito.
Quando você disse que não era adeus, achei que iria ficar aqui e garantir que eu continue viva.
Eu jamais poderia imaginar que seu plano fosse me matar mais um pouquinho,
todas as vezes que você se vai,
e toda vez que você volta.
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Toda Vez Que Você Volta - Oneshot Bubbline
FanfictionVocê diz que mudou, que não vai mais desaparecer desse jeito. Mas eu não confio muito nisso, Marcy. É sempre exatamente a mesma coisa, toda vez que você volta.