Capítulo Único

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Mallory nunca pensou que estaria ali, na porta de uma clínica de aborto. Sua cabeça parecia explodir só de pensar na situação atual, todos os pensamentos que rondavam sua mente desde que descobriu que estava grávida.

Há dois anos atrás, ela havia marchado pelas ruas de Dublin com cartazes e faixas incansavelmente pedindo ao Referendo da República Irlandesa que legalizasse o aborto dentro do país e abolisse a Oitava Emenda. Ela havia gastado todo o seu fôlego pedindo por direitos, usado cada gota energia de seu sangue irlandês para gritar à República Irlandesa, para obrigar que o Governo começasse a tratar melhor suas mulheres.

Quando Mallory tinha 6 meses, em 1996, ela ainda vivia com a mãe em uma instituição Magdalene. Mallory passou 6 meses lá, sua mãe passou mais de um ano. As instituições Magdalenes eram um motivo de vergonha para toda a nação irlandesa que passou décadas fingindo reabilitar mulheres, mas que na verdade as puniam, as escravizavam. O próprio Governo irlandês chegou a pedir desculpas por isso e dissolver cada uma, mas as histórias que se passaram ali até que a última em 1996 fosse dissolvida, essas histórias eram traumas dentro da cabeça da mãe de Mallory e de muitas outras irlandesas.

Eram tantas coisas erradas na Irlanda, tantas coisas que a faziam querer ter nascido homem em seu próprio país só para não ter todas as dificuldades e desigualdades... As únicas vezes em que se sentiu patriota de verdade foram em feriados nacionais ou quando ela havia ido para o exterior. Quando tiveram que sair de Dublin pela saúde da sua mãe.

Foi lá que ela conheceu Alex, foi lá que ela conheceu Magnus, Samirah e Amir, foi lá que ela conheceu TJ... Foi lá que ela esbarrou em Mestiço Gunderson.

Suas mãos foram para a barriga um centímetro mais inchada que o normal, aquele bebê era de Gunderson, ele não sabia da existência do bebê, Mallory não havia contado porque ela já sabia que não queria mantê-lo, ela não queria engravidar, talvez adotasse algum filho quando tivesse com mais de 34 anos, mas não naquele momento.

Gunderson estava em algum evento da Universidade de Dublin, terminando uma última pesquisa para o seu artigo de Mestrado em Literatura Medieval Inglesa, ele não sabia de nada, ele não saberia de nada até que estivesse feito. Céus! Gunderson achava que ela estava com, no máximo, uma intoxicação alimentar, uma virose, nem sequer desconfiava de gravidez, porque Mallory tinha dito que estava menstruando quando não estava. Ela se sentia péssima em mentir para Gunderson.

Mallory estava tão perdida em pensamentos confusos e lembranças que só despertou de seu torpor quando Alex acariciou seu braço.

"Mal? Está tudo bem?" Alex perguntou. Mallory sabia que a amiga odiava hospitais e seus derivados, então Mallory só sorriu corajosamente e deu o primeiro passo para entrar.

Tudo dentro da clínica lembrava um hospital, havia cartazes sobre aborto em todos os cantos, um cheiro de produto químico que fazia o nariz coçar e uma sala de espera com uma televisão ligada em algum programa de TV desinteressante. Ao lado das cadeiras de espera, um móvel repleto de revistas de fofocas, e à frente delas, a recepção, onde a mulher que atendia parecia mais séria do que deveria ser. Mas Mallory sabia que se trabalhasse naquele ambiente de tensão, também não conseguiria ser sorridente, então apenas mantinha esse pensamento para não julgar ninguém injustamente.

Mallory foi até o batente da recepção, a mulher que a atendia a olhou como se fosse um verme. Pediu por seus documentos e que preenchesse a ficha, ela disse que Alex também teria que preencher uma ficha para ser identificada como acompanhante.

Alex e Mallory pegaram suas fichas e foram preenchê-las sentadas nas poltronas, como pedido pela atendente. As mãos de Mallory suavam e ela percebia que mesmo rodeada de mulheres, ela não conseguia sentir um mínimo sentimento de compreensão, era como se uma julgasse a outra por estar ali. Mallory se perguntou se essas mulheres estavam nas marchas do dia 25 de março há dois anos atrás, ou se estavam escondidas em suas casas recobertas e coagidas por todas as palavras do Governo e da Igreja.

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