Primeiro Capítulo

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ᴅᴏᴍɪɴɢᴏ, 15 ᴅᴇ ᴅᴇᴢᴇᴍʙʀᴏ ᴅᴇ 2022

Há exatos 355 dias meus pais faleceram em um acidente aéreo. O motivo? Eles estavam indo ao encontro do meu irmão mais velho, Tomás. Era véspera de Natal, eu estava cobrindo turno da Alice na biblioteca Municipal de Campos quando recebi a notícia: seus pais faleceram. Eu sinto muito. Não teve funeral aqui no Brasil. Devido a problemas com a exportação dos cadáveres, a decomposição estava rápida e não aguentaria chegar em solo nacional.

Lembro atenciosamente daquela noite. Meu pai telefonou para desejar uma noite de Natal tranquila, sem exaustão do trabalho. Somente o ignorei. Trabalhar na biblioteca é importante para mim. Organizar livros é como organizar pensamentos: cada um posto no seu devido lugar. Não tem erro. Não tem falhas. É apenas organização. Sinto arrependimento quando lembro que naquela noite, exatamente naquela, discuti com eles. Mudaria algo se eu falasse que os amava? Se eu dissesse que “sim pai, eu vou para casa celebrar o Natal.”? Algumas perguntas nasceram para não terem respostas. Isso é o que me dói.

Tomás me ligou há alguns dias e me fez a seguinte pergunta:

— Você quer passar o Natal conosco esse ano? É a sua época favorita do ano, além disso…

Não o deixei terminar. Penso quais são as hipóteses de pisar em solo britânico. Quase nulas. Suponho que essa seja uma ótima oportunidade para organizar meus pensamentos fora da biblioteca e, quem sabe, conhecer e fazer amizade com pessoas reais. Não personagens fictícios.

O Natal é uma combinação de todas as melhores coisas que existem. A comida, os filmes cafonas, a decoração, a gentileza, a companhia...É absolutamente esplêndido. No momento estou classificando os livros em categorias de romance. Eu não tenho uma história de amor. Sem problemas. Eu não preciso ter uma. Eu tenho Natal.

Todos cortando pinheiros, montando renas luminosas, entoando canções de alegria e paz. Queria ter um rio congelado para sair patinando. Mas não neva aqui. Entretanto, onde o meu irmão vive, sim.

— Sim. Eu quero ir passar o Natal com vocês — foi o que falei no segundo em que ele me chamou. Não devemos recusar oportunidades. Alice Menezes minha chefe e dona de tudo, lamenta constantemente a minha perda. Ela diz se arrepender de não ter me deixado de folga, não só naquela noite, como também nas demais épocas festivas do ano.

— Não é sua culpa, Alice. Eu simplesmente prefiro esse lugar — respondi, talvez, pela terceira vez consecutiva. — Eu gosto daqui.

— Você não pode ficar presa aqui para sempre — Alice me entrega um livro para pôr na prateleira: Eleanor & Park. — Estou considerando demiti-la. Quem sabe assim você vai embora viver sua juventude!

— Falando assim parece querer se livrar de mim logo — coloquei o livro na prateleira e acabei escorregando da escada. — Droga!

Alguns livros caíram sob os meus pés. Alice segurava a escada para que eu não caísse. No entanto, o susto repentino acabou me fazendo deslizar.

— Você está bem, Íris? — Alice indagou, esticando sua mão para mim. — Olha aqui, eu não quero ser responsável por um homicídio.

— Eu estou bem, obrigada. Já caí de escadas tantas vezes que poderia me considerar imune.

— Sabe que você precisa?

— O quê?

— De um namorado.

Um namorado? Julgo que nunca tentei de fato me relacionar com outra pessoa. Essa afirmação é tão verídica que consigo contar nos dedos meu ciclo social de pessoas. Eu acredito ser muito saudável passar um tempo sozinho. Você precisa saber estar sozinho e não ser definido por outra pessoa. Talvez papai esteja certo. Eu preciso ter um Natal de verdade. Durante toda a minha vida, meu coração ansiou por algo que não consigo nomear. Em dez dias será véspera de Natal. Em dois viajarei para Londres. Quem sabe, em algum momento, eu encontre meu verdadeiro amor não-fictício.

O NATAL EM QUE TUDO MUDOU Onde histórias criam vida. Descubra agora