Sᴇɢᴜɴᴅᴀ-ғᴇɪʀᴀ, 23 ᴅᴇ ᴅᴇᴢᴇᴍʙʀᴏ ᴅᴇ 2019
Quem já não desejou possuir um ser humano só para si? Ava dormiu com a mesma roupa da noite passada. Seu cabelo dourado achava-se desajeitado, mas mesmo assim estava lindo.
Ao contrário de mim, ela não se mexe muito enquanto dorme. Poderia fita-la por horas a fio sem sequer me cansar. Mesmo com toda essa paz que sinto ao olha-la, ainda assim ela é euforia, dessas que nós sentimos em um parque de diversões e sempre quer de novo.
Me disseram que se eu não abaixar minhas expectativas de alguma maneira, estou destinada a ter uma vida amorosa insatisfatória. Como se, da maneira que as coisas estão indo, eu esperasse algo diferente disso. Algumas pessoas se destacam para nós. O que sentimos vibra além dos papéis. Transcende a forma. Remete à essência. Toca o que nós não vemos. O que não passa. O que é. Com elas, o coração da gente descansa. Nós nos sentimos em casa, descalços, vestidos de nós mesmos.
— Lendo a essa hora? — Ela perguntou com um sorriso no rosto, apontando para o livro que eu estava segurando, O Morro dos Vento Uivantes, enquanto soltava seu cabelo de um coque. — Ah! Bom dia, linda.
— Só quero que nunca mais nos separemos, e, se algum dia as minhas palavras te angustiarem, lembra-te de que sentirei a mesma angústia debaixo da terra.
Recitei um trecho do livro que Ava me deu. Em seguida desejei um bom dia, logo Ava continuou:
— Meu amor é como as rochas eternas sob os nossos pés: uma fonte de felicidade pouco visível, mas necessária.
Do modo que estaríamos trancafiadas em Winchester até o anoitecer, teríamos bastante tempo para aproveitar a companhia uma da outra. Pedi comida recepção. Para mim, café preto amargo. Para ela, pão torrado com bacon e chá-inglês. Ava sugeriu que nós jogássemos um jogo enquanto comemos, o jogo de perguntas. É uma boa oportunidade de nos conhecermos melhor.
— Você é feliz?
Aquela pergunta me desorientou. Claro que eu tinha momentos de felicidade. Mas ninguém é feliz o tempo todo. Ser feliz não é uma característica estético, como ser louro ou moreno. Eu posso estar feliz agora e no segundo seguinte não estar mais. Não estou triste, mas devo admitir que por vezes sinto preguiça de existir. Deve ser aquela fase que você começa a se perguntar, e cada pergunta gera uma nova dúvida, a única certeza que eu tenho no momento, é o meu cansaço.
— Geralmente — pronunciei as palavras de forma instintiva. Somente após dizê-las me questionei quanto seriam verdadeiras. Nunca tinha me interessado seriamente por alguém. Isso é assim tão excêntrico? — Não tem a ver com as pessoas. É o... Amor. Ainda não encontrei.
De fato, não o achei. Até encontrar a Ava. Ela estava no momento certo, na hora exata. Eu adoro ela, mas não sei se é amor. Como irei saber se é amor, uma coisa que eu nunca senti antes?
— Minha vez — falei, pensando o que perguntaria. — Qual a sua cor preferida?
— Verde. Tal como seus olhos.
Acho incrível e bonito a forma como ela é fascinada pelos meus olhos. Eu os acho bonito, mas a maneira como ela enfatiza eles é especial.
— O que você gosta de fazer nas horas vagas?
— Praticar exercícios físicos, trabalhar no café, visitar novos lugares... — Ava respondeu, levando um pouco de bacon a boca.
— Você e meu irmão são melhores amigos. Mas, você tem uma melhor amiga?
Ava parou por um instante para refletir, e disse:
— Minha melhor amiga era a minha avó — percebi seus olhos marejados, então apenas fiz um sinal para que ela não continuasse. — Tudo bem. Ela faleceu há dois anos, também perto do natal.
— Eu sinto muito.
— Eu sinto muito por você também.
Tem dor antiga que, ao longo da vida, muda de tom, em degradê, mas sempre arruma uma maneira de doer. Tem dor recém-chegada, as malas ainda no chão, que nós não sabemos sequer o nome que tem.
Terminamos a refeição. A manhã em Winchester amanheceu nublado. Já não se via nuvens ou pessoas nas ruas. A chuva começou a cair, e as suas lágrimas se misturavam em seu rosto com as gotas da chuva. Mesmo triste ela se sentiu bem, foi como se a chuva tivesse lavado a sua alma e também o seu coração.
Eu a abracei. Suas lágrimas tornaram-se minhas.
Um abraço é um gesto simples e natural, mas quando carregado de sentimento ele aproxima os corações dos que se abraçam.
— Adoro abraçar você e cada dia fica mais difícil conseguir me soltar dos seus braços.
Esses dias me ajudaram bastante. Pensar no que irei fazer de hoje em diante, se irei ficar em Londres ou voltar para Brasília. Não há nada que me prenda no Brasil. Mas há algo que prenda aqui.
— Eu acho que estou me apaixonando por você — confessei. Eu sabia que, depois que olhasse nos olhos dela, seria inevitável não me apaixonar.
— Você acha? Porque eu tenho certeza.
A viagem de volta foi tranquila. Agora eu tinha a certeza dos meus sentimentos por Ava Lewis. Comprei o primeiro pinheiro que vi. Tomas é preguiçoso, mas eu tenho de agradecer a ele. Caso contrário, nós nunca iríamos saber o que sentíamos uma pela outra. Ava dormiu o caminho todo. Aprovetei para cochilar também.
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O NATAL EM QUE TUDO MUDOU
Cerita PendekUm ano após um trágico acidente, Elizabeth Müller viaja para Londres ao encontro de seu irmão, Ethan. Memórias retornam e a fazem questionar certos aspectos de sua vida. O encontro inesperado, as situações inusitadas, o que não foi combinado, mas ti...