💞 Capítulo 02 💞

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Eu sei que não deveria, mas não consigo evitar pensar em como nós dois seriámos como um casal. Será que seríamos ainda melhores? Lipe me conhece tão bem. Acho que seria perfeito. Balanço a cabeça, tenho que parar com essa mania de ficar fantasiando as coisas. Mas é mais forte que eu. Felipe abre a porta para mim e em seguida entra.
— Por isso todas se apaixonam por você — brinco, apertando meu cinto. — Com todo esse cavalheirismo...
Ele retribui meu sorriso.
— Posso ser cavalheiro, mas com você isso vai além — ele diz. — Você é minha melhor amiga. Eu não saberia tratá-la como trato as outras.
— Sei, finjo que acredito — provoco só para ver sua reação.
Ele se vira para mim, coloca uma mecha de cabelo atrás da minha orelha e desliza o dedo por minha bochecha. Meu corpo responde imediatamente a seu toque e eu fico sem fala. Lipe me olha nos olhos. Será que não consegue perceber como me deixa desnorteada? Ou será que finge não perceber por também ter medo de estragar o que construímos durante todos esses anos? Ou pior... Ele sabe o que sinto e finge não saber para não me magoar porque não sente o mesmo. O sentimento não é mútuo. E com certeza essa é a opção que mais dói em meu coração.
— É sério, Ana. Com você é diferente — enfatiza, e eu sinto que ele quer dizer mais alguma coisa, mas se contém. — Agora vamos — fala, por fim. — Se demorar sua mãe ficará preocupada.
Eu assinto, ainda o observando.
Felipe coloca uma música para tocar no rádio e vamos o caminho todo cantando e rindo. Com ele eu posso ser eu mesma, sem me preocupar com o que vai pensar de mim. E é isso o que alimenta meu medo de revelar meus sentimentos. Não quero, com umas poucas palavras, estragar o que construímos por duas décadas.
Meu olho esquerdo começa a coçar sem parar. Com certeza foi algum cílio que caiu. O carro é estacionado.
— Docinho, assim irá se machucar. — Lipe solta o cinto e segura minha mão, a afastando do rosto. Ele se aproxima me olhando nos olhos e eu quase me esqueço do incômodo. — Vou assoprar. Tenta mantê-los abertos.
Assinto.
Sua mão toca meu rosto e seu polegar puxa levemente minha pele para tentar manter o olho aberto. O cheiro do seu hálito de menta é bom. Lipe assopra duas vezes. Estamos tão próximos que um simples movimento meu encostaria nossos lábios. Me forço a não olhar para eles. Daria muita bandeira. Em minha mente vem a imagem do que eu faria se tivesse coragem. Imagino meus lábios nos dele. Imagino um beijo tão intenso que me deixaria sem ar. Eu vou é ficar louca.
— Está bem? Ficou vermelha — pergunta ao se afastar. Será que ele sentiu essa tensão que surgiu ou foi coisa da minha cabeça?
— Estou, obrigada.
— Disponha, docinho.
Desembarcamos e pegamos um carrinho. Começo a escolher as coisas, com Lipe ao meu lado me ajudando. Parece até que somos realmente um casal feliz. Quando estamos no corredor dos molhos, uma senhora se aproxima de nós, com olhos gentis e um sorrisinho no rosto.
— Com licença. Só queria dizer que vocês formam um casal muito bonito. Há quanto tempo estão juntos? — pergunta, em um tom simpático.
Quando abro a boca para corrigi-la, Lipe envolve o braço em minha cintura, alheio ao modo como meu coração acelera, e sorri para a mulher.
Agradeço à senhorinha mentalmente.
— Estamos juntos há três anos. — Ele pisca para mim, e decido entrar na brincadeira.
— Oh, sim! Três anos de muito amor. — Dou um beijo em sua bochecha. Como não sou boba, vou me aproveitar da oportunidade.
A mulher sorri, e por um momento me sinto mal por mentir.
— Continuem assim. Seus filhos serão lindos. — Depois de garantirmos que continuaremos, ela acena para nós, contente, e sai.
E quando some de vista, nós começamos a rir.
— Você não presta. — Respiro fundo, tentando controlar o riso.
Ele dá de ombros.
— Nunca disse que prestava.
Balanço a cabeça em negação, mas me forço a não pensar mais nisso. Passo minhas compras e Felipe me ajuda a levar para o carro, e então dá partida.
— Está gostando de morar sozinho? — eu pergunto.
— Estou sim. Nada melhor do que ter minha liberdade. Só faço as coisas que quero e na hora que quero. E como agora fui promovido a gerente da loja, consigo me virar sozinho sem a ajuda de meus pais.
— Acho que se morasse sozinha, iria sentir saudade da minha mãe. Sempre fomos só nós duas. Como cresci sem pai, criamos uma relação ainda mais forte.
Meu coração se aperta só de lembrar que nunca tive a oportunidade de saber como meu pai é. Nem por foto. Mas nunca pressionei minha mãe. Eu acredito que tenha algum motivo para isso. Talvez ele não seja um homem bom. Ou quando contou sobre a gravidez ele me renegou, ou o simples fato de que falar sobre ele a machuque, e o que menos quero no mundo é ver minha mãe sofrer.
— Eu sinto falta dos meus pais, mas com o tempo você se acostuma. Já somos adultos, Ana. Às vezes chega a hora de abandonarmos o ninho.
— Você tem razão. Mas por enquanto não terei que pensar nisso. Não tenho namorado, muito menos um noivo. Acho que só a deixarei quando me casar.
— Eu sei que não irei me casar, então já foi bom procurar meu canto.
— Você realmente não pretende casar?
— Não. Quero manter esse estilo de vida até bater as botas. Você deveria tentar esse método de pegar e não se apegar.
— Então você quer que eu fique com vários rapazes? — provoco.
— Não! — responde no mesmo instante. Mordo meu lábio inferior tentando disfarçar o sorriso. — Acho que não foi uma boa ideia. Pode continuar solteira ficando com um a cada três meses.
— Nossa, eu sou assim tão encalhada?
Rindo Lipe balança a cabeça.
— Não que isso seja ruim. Se você arrumar um namorado ciumento, ele vai querer atrapalhar nossa amizade. — Lipe estende a mão para mim e me mostra o dedinho. Entrelaço o meu.
— Ninguém ficará entre nós — repito a promessa que fizemos assim que arrumei meu primeiro namorado.
— Ninguém nunca ficará entre nós — diz com firmeza.
— Você não me respondeu ontem. — Ele me olha rapidamente com a sobrancelha arqueada. — Sobre o que mais gosta em mim.
— Ah, tá! — Ele fica um tempinho em silêncio e isso me deixa nervosa. Será que é tão difícil assim achar uma qualidade? — Tudo — responde por fim.
— Tudo?
Lipe assente.
— Gosto de tudo o que diz respeito a você. Não consigo escolher uma coisa só. — Com um grande sorriso me viro para a janela. — Gosto muito quando sorri assim.
Me viro para ele e cruzo os braços.
— Como sabia que estava sorrindo?
Lipe para no sinal vermelho. Ele segura meu queixo.
— Eu conheço você como a palma da minha mão.
Estou sentindo uma pontada no coração. Devo estar morrendo. O sinal abre e Lipe volta sua atenção à estrada.
Vamos o restante do caminho conversando. Eu adoro ouvir o som de sua voz, e principalmente o som de sua risada. Às vezes tenho a impressão de que ele gosta de fazer piadas só para me ver sorrir. Mas na maioria delas é ele quem ri primeiro. Lipe é um homem engraçado, animado e protetor. É ele quem me coloca pra cima quando estou desanimada. Quando chegamos, ele leva parte das sacolas para dentro. Minha mãe para o que está fazendo ao vê-lo.
— Bom dia, Felipe. Obrigada por ajudar minha princesa.
Para ela, não importa quantos anos eu tenha, sempre serei sua princesinha. Mas ouvi-la me chamar assim na frente dele é um pouco embaraçoso.
— Mãe, eu não sou mais criança. — E não quero que Lipe me veja como uma. Quero que ele olhe pra mim e veja uma mulher feita.
— Imagina, foi um prazer ajudar sua princesa — ele diz, e eu o encaro sem jeito. Ele sorri e sinto minhas bochechas queimarem. E pelo jeito que minha mãe me olha, ela deve ter percebido.
Nunca consigo esconder nada dessa mulher.
— Você não quer ficar pra almoçar? — pergunta ela.
— Não posso, mas obrigado pelo convite. Meus pais estão me esperando. Como domingo é o único dia que podemos almoçar juntos, não posso faltar.
— Que pena, gostamos tanto de ter você conosco. — Ela me olha e sorri.
A senhora Orsini está querendo que passemos mais tempo juntos. Essa não dá ponto sem nó.
— Podemos marcar outro dia. Agora tenho que ir. Até mais. — Se despede de nós duas com um beijo na bochecha e eu o acompanho até a porta.
Quando volto para a cozinha, minha mãe está me encarando e sorrindo.
— Há quanto tempo você está apaixonada por ele? — pergunta, vindo em minha direção.
— Não estou apaixonada por ele, mãe — digo, tentando convencer a mim mesma sobre isso. — É só amor de amigo.
Um amor de amigo que me faz sonhar com ele várias vezes. Que me faz querer ouvir sua voz da hora que acordo até a hora de dormir. Um amor de amigo que me faz sentir segura toda vez que estamos juntos.
— Filha, eu te conheço muito bem. Nós somos melhores amigas, não somos? — Me olha nos olhos.
— Claro que sim, mãe.
— Está estampado na sua cara. Você já falou pra ele?
— Mãe, eu não sei se ele sente o mesmo. E se estragar nossa amizade? São vinte anos tendo ele ao meu lado. Não posso colocar tudo a perder. — Eu realmente não posso. Não sem Lipe me dar algum indício de que também quer.
— Pense bem, Ana. Faço muito gosto desse namoro. Vocês são amigos desde a infância, e sabe como Sônia e eu torcemos por vocês. — Seu entusiasmo é notável.
— Tenho medo. Ele sai com tantas garotas, e nunca namorou ou se apaixonou por ninguém. — Só de me lembrar da moça da noite passada que estava quase se jogando nele, sinto um misto de ciúmes e frustração. — Pelo menos que eu saiba. Isso seria estranho. Será que logo eu conseguiria mudar isso nele? Já me fiz essa pergunta várias vezes.
— Minha filha, tudo tem a primeira vez. Você é linda e inteligente, e qualquer homem que namorar você será muito sortudo. Você só vai saber se tentar. Pense bem pra não se arrepender depois. — Beija minha testa. — Agora vai lá arrumar seu quarto que eu preparo o almoço.
E é isso que eu faço. E quando termino, pego o celular e vejo que tem duas mensagens não lidas de Bia.
Bia: Ana, acordei com uma ressaca da brava.
Bia: Você está aí?
Me deito na cama e começo a digitar.
Eu: Oi, fui ao mercado e esqueci de levar o celular. Desculpa.
Bia: Imagina, pensei que ainda estava dormindo. Sei que nos vimos a poucas horas, mas tem alguma novidade? É tempo o suficiente pra rolar algo entre você e Lipe. Ainda mais indo embora sozinhos.
Eu: Não aconteceu nada entre nós. Foi como sempre. Viemos juntos e ele me deixou em casa.
Bia: Nossa, Ana, nem um beijinho? Tipo: opa meus lábios sem querer encostaram nos seus. Quer dar uns amassos?
Rio. Só Bia para pensar nisso.
Eu: Você é impossível! Voltando ao assunto, Lipe me levou e me trouxe do supermercado.
Bia: Que fofo. Eu acho que ele gosta de você. O jeito que te olha é diferente do jeito que me olha.
Eu: Talvez seja por sermos amigos há mais tempo.
Bia: Acho que não é somente isso. Você precisa se abrir, Ana. Às vezes na vida precisamos arriscar.
Eu: Você sabe o que penso sobre isso.
Bia: Eu sei, mas você é uma mulher forte e decidida. Toma coragem de assumir logo isso. Estou torcendo por vocês. Só quero te ver feliz, e esconder esse sentimento não está te fazendo bem. Eu não ligo em ficar de vela. Não se for pra te ver feliz.
Eu: Irei pensar sobre isso. Obrigada, amiga. Te amo.
Bia: Eu também. Mais tarde mando mensagem. Agora vou tomar um banho. Beijo.
Eu: Beijos.
Coloco o celular em cima do peito e fico encarando o teto sem saber ao certo o que pensar. Será que Lipe olha mesmo para mim de um jeito diferente? Será que está assim como eu esperando uma atitude? Está com medo de dar o primeiro passo? Atordoada me sento na cama. Preciso arrumar algo para ocupar minha cabeça.
Passo a tarde toda no computador, adiantando alguns trabalhos da semana. Não quero vacilar. O senhor Carlos é bem exigente, e por causa disso nenhuma secretária para naquele escritório. Quando dou por mim, já está anoitecendo. Consegui me manter ocupada o bastante para não ficar pensando nele. Me levanto, acendo as luzes e vou até a janela. E então vejo Felipe chegando em casa. Deve ter saído com alguém, pois não pode ter ficado até essa hora com os pais. Ele me vê olhando em sua direção, acena e faz um coraçãozinho com as mãos. Aceno de volta e fecho a janela rapidamente.
Agora ele vai pensar que sou uma louca que fica vigiando cada passo seu.
Mas o que Bia me disse ainda permanece em minha cabeça. Eu preciso tomar coragem e assumir o que sinto por ele. Não posso continuar reprimindo esse sentimento ou vou acabar enlouquecendo.


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