Capítulo 3

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3 – Sorte

"Não há nada bom ou nada mau, mas o pensamento o faz assim."

Shakespeare

Aguardamos por pelo menos umas duas horas. Foi pouco, sinceramente pela quantidade de pessoas achei que seriam mais.

Eu tinha olhado de dez em dez minutos as atualizações do meu celular durante a última hora, atualizando as notícias para lançar mais tarde no blog.

Carol estava sentada de maneira relaxada ao meu lado. E me perguntou:

- Notícias do filme? Ela sorriu de maneira simpática para mim.

O filme, era um código nosso para minha maior paixão: “Instrumentos Mortais”. A famosa série de livros da Cassandra Claire. Ela tinha nos unido no começo da nossa amizade, quando saíram as notícias de adaptação para o cinema. E culminou com nosso surto psicótico quando o ator para o papel de Jace foi escolhido: Jamie Campbell Bower.

A escolha dele dividiu os fãs da série. Eu estava do lado dos que apoiavam a escolha, usei meu blog várias vezes para fazer apologia ao ator, além de lançar milhares de twitters com tags infinitas de #lovejamie. Carol, navegava do lado contrário. Em terras inimigas, defendia o outro ator para o papel: Alex Pettyfer.

Deus, não era como se ele não fosse tão bonito, ele era lindo, mas Jamie, era, Jamie. E nada no mundo inverteria o sol de posição como também não faria Campbell mais que perfeito com seu sorriso de menino e rosto angelical.

Além disso ele fazia música. Só isso, ganhava créditos enormes comigo.

- Sem chance Carolina, eles não vão mudar de ator para o segundo filme – eu debochei com a língua para fora – Campbell, vai bem, obrigado. Mas infelizmente, nada do novo filme ainda.

- Sabe, eu já me acostumei com ele, mas espero realmente que o segundo tenha uma direção mais atenta aos detalhes importantes e por favor – ela franziu a testa para mim – não tirem o Robert.

Simon. Sua paixão na série e personagem do ator Robert Sheehan. Tive que torcer o nariz- para ela ao mencionar seu queridinho, e ela revidou, com sua língua para mim.

Assim que virei o rosto para olhar novamente o celular, enxergando os olhos de Jamie no fundo de tela, fomos chamadas pelo nome e seguimos tremendo até a sala com a porta aberta.

Letras miúdas indicavam seu dono: Amanda Véridas – Editor.

Engoli em seco e entrei com minha amiga ao meu lado. Uma vez dentro fomos sentadas numa grande mesa de madeira com entalhes de espiral. Meus dedos contornavam os desenhos e só parei quando notei uma figura bem alta e esbelta na minha frente.

- Sou Amanda e espero que não tenham esperado por tanto tempo – ela sorriu de maneira nada acolhedora. Senti um calafrio quando as unhas dela bateram contra a base da mesa.

Sorrimos de volta. Ela apertou nossas mãos e o calor do meu corpo extinguiu-se de vez. Sentia frio da cabeça aos pés. Ela empilhou papeis a nossa frente e voltou-se com seu olhar penetrante:

- Carolina? Ela questionou e minha amiga levantou os dedos em sinal – bem, nós analisamos seu trabalho e gostamos bastante do enredo e da narrativa como um todo.

Nos sorrimos olhando uma para outra e depois ela continuou:

- Temos uma proposta aberta e clara: fecharemos contrato de cinco anos, podendo publicar nesse período outros trabalhos que desejar, sem que tenhamos algum vínculo obrigatório com eles. Não exigimos exclusividade – e com isso ela queria dizer que estava interessada apenas na obra que enviamos no arquivo. Ainda assim, era realmente bom.

Mas alguma coisa me dizia que isso não era tudo. E como estava certa, lá veio a palavrinha:

- Mas, queremos sugerir algumas mudanças da história, para reduzir as páginas e também não prejudicar uma possível adaptação.

Nós duas suspiramos. Eu praticamente assoviei. Não sei se pela menção ao livro virar filme ou a forma sutil que ela colocou como “sugestão de mudanças”.

- O que você quer dizer com “mudanças”? – Carol disse antes de mim.

- Reduzir os doze anos em que os protagonistas ficam separados, talvez diminuir cenas do começo retirando falas dos personagens secundários. E definitivamente diminuir os capítulos da parte final. Eu poderia sugerir até condensar os dois livros em apenas um, mas consultamos os nossos diagramadores e ficou claro que o livro teria pelo menos 400 páginas.

Carol se jogou para trás da cadeira e eu me virei com olhos arregalados na sua direção: reduzir os doze anos? Como, se praticamente quase todas as coisas importantes do segundo livro acontecem ali? E como ela pode pensar em condensar tamanha história em apenas um livro, Meu Deus! Ia virar uma bíblia, e sem ofensas a Divina Comédia e tantos outros, mas isso não era uma boa veia comercial. E tudo que minha amiga disse foi:

- Não posso reduzi os doze anos. Ben – um dos personagens mais legais – nasceu ali, cresceu, além disso tem a consolidação do relacionamento de Lorena...

- Eu sei – a tal Amanda a interrompeu bruscamente – li toda a sua história de ontem para hoje (como assim, essa mulher não dorme?) e apesar de ser adorável as partes românticas desse período, no contexto geral ele não tem muita importância.

Meu sangue ferveu na hora. Ela estava mexendo com a parte mais importante para meu personagem favorito. Eu queria plantar um salto de sapato fino na testa dela, se eu tivesse algum, mas a desvirtuada da mulher nos olhava sorrindo como se dissesse a coisa mais óbvia do mundo. Respirei fundo e me pus ereta na sua frente:

- E se não concordamos com isso? – eu queria dizer a Carol, mas eu estava ali, sentindo como isso mexia com ela e precisava apoiá-la, mesmo que a decisão fosse exclusivamente dela.

- Suponho que não fecharemos o contrato – ela disse séria e depois sorriu – pelo menos esse ano. O livro continuará em minhas mãos, até que uma nova oportunidade para história desse gênero surgisse em nossa Editora.

E com isso ela colocou a pedra. Depois, de claro, jogar a pá de cal.

Eu não me lembro de muito depois desse dia.

Lembro de descer as escadas em silêncio. Dos passos de Carol para fora da sala sem olhar para trás. Da tristeza que seus ombros emitiam, curvados para baixo, como se o peso em cima fosse maior que horas atrás.

E lembro do meu choro descontrolado quando afundei nas almofadas da minha cama, depois de deixa-la desolada no aeroporto de Guarulhos.

Rumo a sua casa, a mãe e ao seu filho.

A uma vida de batalhas diárias.

E com mais uma queda de esperança.

Todas as Noites são de sonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora