O Estranho Vazio

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Se histórias tristes acabam por deixar-te feliz meu caro, devo afirmar que essa história agradar-te-á. Sei bem que não és sádico, nem que alegra-te com o pesar alheio, pois também não regozijo-me no pranto, muito menos em lágrimas de infortúnio. Porém, conheço bem as cores da tristeza, tão bem afirmo-te, que poderia pincelar obras-primas, e carregá-las com tons de solidão e melancolia. Não que seja sofrível a vida, mas, no sofrer conferi significado, adornei-o de valor. Ao passo que não poderei jamais lembrar-me da dor sem trazer bocados calorosos de gozo.

A dor une corações despedaçados. Se acredita em tais palavras certamente não trará culpa a quem maneja a pena que escreve lastimáveis fatos. Caso discorde, devo lembrar-te que a vida, efêmera, vai-se em um abrir e fechar de olhos. E não há coisa alguma que possa fazer. Tudo caminha para o destino inexorável escatológico. Tudo finda. Vi um certo jovem pensar sobre isto, e é sobre ele que contarei esta história.

Henry refletia. Sondava seus pensamentos obscuros, forcejava uma luz em seus devaneios. Um pôr do sol sorria cores vivas no horizonte, borrado por algumas nuvens rosadas outrora brancas como algodão. Uma brisa calma acariciava seu rosto, tão leve como o toque de uma amante. O silêncio tomou a pequena cidade, e o vazio apoderou-lhe novamente.

"O que será este vazio?", pensou consigo. "Acaso é algo que ainda não tenho?". E Começou a pensar sobre o que possuía. Com labuta listou todos os seus bens, desde sua enorme casa no centro da cidade pacata, até os mais pequenos objetos que adornavam os criados-mudos de seus quartos. E concluiu que tinha tudo que precisava para uma vida confortável e feliz. Ainda assim, resolveu ir ao encontro do mercador, afinal, tinha o hábito de cair em devaneios e esquecer de coisas simples.

Indouto, Henry seguiu até a cidade. Com triviais conjecturas sobre seu estado, caminhou com pressa. Algo roubava-lhe a paz, e a felicidade repentina esvaía-lhe do rosto. O fato, é que este fadigoso vazio, foi posto ali por quem conta esta história. Antes de saciar-te a curiosidade, há algo que precisa saber antes que sinta-se enganado. Henry não era um homem feliz, de fato nunca foi. Em sua mocidade, quando ainda cogitava um futuro de gozo e auguras, sentia-se deslocado. Sua família de nome e riquezas nada deixava a desejar sobre a vida de Henry. E como príncipe vivia, um estalar de dedos, ou um mero olhar já tinha o que desejava.

Porém, havia nele uma vocação maior. Um chamado vindo de horizontes longínquos da própria alma. E por vezes, em devaneios, pegou-se imaginando e desejando uma vida diferente e distante. Um cavaleiro em busca de aventuras e belas donzelas, um explorador em países e mares desconhecidos, ou mesmo um poeta que aventura-se com tinta e pena. E Sempre, ao brotar do crepúsculo, o vazio retornava trazendo-lhe a realidade.

Foi em um dia assim, quando o sol beija o abismo escuro da noite, que Henry conheceu-me. Estava em uma macieira no pomar de sua fazenda, logo acima da colina da casa principal. Esgueirava-se para os galhos mais altos a fim de ter um panorama de toda a fazenda. E quando os últimos raios de sol brilharam entre as nuvens, revelei-me como um sussurro em seus pensamentos, uma dúvida sutil que esconde-se nas profundezas da mente, aquilo que alimenta a tristeza e deixa o vazio.

Palavras são mais penetrantes que a mais afiada lança, e nem mesmo o mais duro aço poderia fazer-lhe maior estrago. E tal pensamento não o deixou em paz. Não dormia, sua fome cessara, e com o passar dos dias definhava em tristeza e angustia. E o garoto de súbito tornou-se cabisbaixo e de semblante distante.

Meses se passaram, e a fraqueza envolvia-o com ímpeto. E nada do que possuía livrava-o de tal mal. No caminho do mercador lembrei-o. Sussurrei novamente em seu ouvido, trazendo a memória de sua tenra idade, e de como seus bens nunca salvaram-no de tal angústia. O caminho encurtou-se em mais devaneios. E o mercador estava próximo.

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⏰ Última atualização: Dec 06, 2020 ⏰

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