9 Poço do Bambu

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NARRADOR POV:

— Muito bem lembrado Zayn. Esta é a minha preferida. Meu pai contava pra mim e pra minhas irmãs. A gente escutava atenta, sentadas no rabo deste fogão igual a vocês dois. Esta é muito antiga. Passada de geração a geração. Dizem os mais velhos que há muitos anos atrás, ainda nem existia o Arabizá e nem as fazendas da região. Neste tempo havia lá pelas bandas da represa do Senhor Tati, depois da curva da divisa bem encima do Poço do Bambu. Então bem antes de tudo. Neste lugar havia uma casa.

— Mas avó? Como alguém pode construir uma casa encima de um
poço de água grande e sem fundo?

— Ai é que está! Naquela época o Poço do Bambu não existia. Onde hoje está o poço era terra firme e seca. E por ser próximo a uma várzea onde tinha laguinhos e água farta alguém achou que seria bom construir uma casa ali.

Dizem que foi a primeira casa construída no Arabizá. Eram iguais as nossas casas mesmo, porém um pouco maior e mais alta. Falam que quem construiu esta casa se quer morou nela. Sendo assim ficava a maior parte do tempo fechada e abandonada. Contam que certa vez um viajante e sua comitiva resolveram se hospedar lá. Era um povo bruto, e bem rude. Mas tinham muito dinheiro. O povo fala que estes viajantes acharam um veio de ouro. Estavam de passagem e pretendiam seguir para Alegrete, que na época era um vilarejo, e depois eles seguiriam para capital. Mas a noite estava chegando. Eles eram muitos e estavam precisando de pouso. Quando passaram perto da casa decidiram bater pra ver se alguém atendia. Acharam a casa fechada. Bateram, chamaram e como não havia ninguém nas redondezas então resolveu arrombar a porta. Abriram a porta e encontraram móveis e utensílios. Começaram a beber e descarregaram as malas.

Puseram as coisas dentro da casa e como havia muito mantimento e sacos de ouro pra carregar decidiram passar a noite ali e depois seguir viagem direto sem passar por Alegrete. Os mais velhos falam que eles fizeram uma baita festa. Tinha muita gente, mais cavalos, mulas, e alguns animais vivos pra consumo. Um destes animais era um bezerro. Eles mataram o bezerro e fizeram um churrasco. A farra correu a noite toda. Tinha um sanfoneiro tocando e quase perto da meia noite corria um baile
bem animado. E foi então que uma das moças da festa se lembrou que era sexta feira da paixão. Ela procurou o dono da festa e lhe contou sobre isto. O dono, que bebia e comemorava com os amigos lhe responde:

— E daí se hoje é sexta feira da paixão? Quem morreu na cruz não foi eu e sim Jesus.

Dito isto ele mandou o sanfoneiro tocar mais alto. Bateu com força a bota no chão, puxou uma morena pela cintura e saiu dançando pela sala da casa. A festa tava animada. Tinha uma fogueira no terreiro, e muita luz de vela acesa. A música ecoava pela floresta adentro. E foi bem na madrugada quando todo mundo estava distraído dançando dentro da casa que aconteceu uma coisa estranha. Veio um vento forte e apagou a fogueira no terreiro, as velas da casa e depois bateu e fechou todas as portas e janelas. O vento começou a soprar e uivar feito lobo. O povo de dentro da casa parou com a festa e ficou quietinho morrendo de medo. O vento soprava sem parar. E logo em seguida dizem que a casa deu um grande estralo e todos começaram a gritar, e correr de um lado para o outro. Teve gente que morreram pisoteadas, outros machucaram e ninguém conseguia sair da casa. Então a casa afundou de uma só vez. Desceu pro fundo da terra deixando um grande buraco. Dizem que a casa foi engolida inteirinha e foi parar direto no inferno. Depois que a casa foi engolida ficou um buracão. Como havia muita água por perto a água entrou no buraco e encheu ele. Assim formou o Poço do Bambu.

Até hoje as pessoas conta que quem for lá à sexta feira da paixão e ficar esperando até a meia noite, vai ouvir o barulho da festa e as músicas. E se a pessoa neste dia colocar os pés na água vai notar que ela está quente e tem cheiro de enxofre.

— Credo avó eu fico arrepiado só de pensar nestas coisas.

— Você tem medo de tudo Zay.

— Avó conta pro Lou aquela do Zé do Pacto. Um homem que vendeu a alma pro Diabo e ficou rico e depois se matou La pras bandas do Morro do curió. Ele aparecia lá, pois tinha de convencer alguém a fazer um pacto com o Diabo pro tinhoso deixar ele em paz.

— Zayn você já contou todo o miolo da história agora não tem mais graça contar.

— O Zayn é mesmo um estraga prazeres vovó. Onde já se viu! Mas tem outra que a senhora sabe?

— Tem a do vulto que aparece a meia noite na quaresma na Curva da Divisa indo pra lagoa do Senhor Tati. Dizem que foi um irmão gêmeo que matou o outro afogado por causa de um peixe.

— E as aparições da Mãe de Ouro?

— Mas tudo isto fica pra outro dia. Agora está ficando tarde meus netinhos, e os dois tem de dormir.

Certamente Louis não iria conseguir dormir aquela noite, estava encantado e confuso. Com toda pressa que teve não consegui contar os sonhos para ninguém. E agora ficava matutando e comparando seus sonhos com as histórias que sua avó contara. A esta altura do campeonato o omega já entendera que o que sua avó dizia era lendas. Causos que “passaram de geração por geração e por tanto seguia aquele ditado. Quem conta um conto sempre aumenta um ponto. E por isto hoje as lendas do Arabizá ganharam um enfeite e foram completamente distorcidas dos fatos originais. Isto se deve ao tempo e a falta de registro formal destas coisas.

Como eram apenas relatos locais,
sem interesses maiores eles foram sendo moldados e mudados à medida que alguém contava ou e que o tempo passava. Para Louis tudo isto era um diamante bruto. Ele acreditava em coincidências, mas aquilo tudo era demais. Não havia como ser tudo coincidência. Afinal de contas uma
ou outra coisa tudo bem, porém as coisas estavam muito claras. Todos os sonhos que tivera iam de encontro ao conteúdo das lendas relatadas no Arabizá. E assim como ele viu uma luz e tem certeza do que viu agora tinha certeza de que o tempo fizera da verdade parecer uma colcha de retalhos. Bordada, colorida e fragmentada, mas ele sabia que tudo aquilo não era uma colcha de retalhos e sim um imenso quebra cabeça.

Não restavam dúvidas que Louis havia entendido que realmente nada era por acaso naquela ocasião e que ele de alguma forma fazia parte das lendas do Arabizá. Com isto ele deduziu que havia vidas passadas e que sua vida e sua história estavam diretamente ligadas a vida e a história do Arabizá.

Ainda havia muita aresta para aparar, e o garoto tinha um longo caminho a percorrer. Porém agora Louis possuía duas certezas que lhe apontavam um horizonte e uma direção. Sim ele acreditava e queria descobriu, porque viveu no Arabizá, porque gosta do Arabizá hoje em dia e qual é a sua missão nestas terras tão queridas.

Volvido por estes pensamentos o omega estava tão bem e confortável em sua cama. Sentia uma estranha sensação no peito e um calor humano presente em seu quarto tão intenso e agradável que ele dormiu feito um bebê. Havia muita paz e segurança em seu sono. E assim os meninos dormiram como nunca e acordaram alegres e dispostos.

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⏰ Última atualização: Jan 06, 2021 ⏰

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