Capítulo Três

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      O sol raiou, os galos cantaram e eu despertei mais cedo do que o desejado. Será que o hoje vai ser tão esquisito quanto ontem? Espero que não.

—  Bom dia — Beijo a testa do meu pai quando sento à mesa — Tudo bem, rosa?

— Estou ótima e o senhor?

— Estaria melhor se você me chamasse de Nicolas, Rosa.

— Dia, Pedro —  Meu pai disse assim que o brucutu da noite passada sento à mesa. 

—  Bom dia, patrão.

—  Bom dia, Pedro —  Cumprimentei o mais cínico que pude. Ele apenas fingiu que não escutou e eu prendi o riso. Havia uma interrogação gigantesca na testa do meu pai.

— O café está delicioso, Rosa —  Me delicio com o líquido preto.

—  Muito obrigada, Seu Nicolas.

— Me chame só de Nicolas, Rosa, Por favor. —  Sorrio novamente — Pai eu estava pensando, acho que com meus conhecimentos dá para reaproveitar melhor o espaço da fazenda e inclusive fazer uma piscina, ou aproveitar melhor aquela cachoeira.

—  Hum —  Pedro desdenhou para si mesmo — Chegou agora e quer mexer na fazenda.

— Exato, cheguei ontem mas passei cinco anos na faculdade de engenharia e um ano e meio no curso de design de interiores. — Olhei para o dito-cujo.

— Tudo bem, sem falar de negócios na mesa. —  Meu pai, sábio, apazigua a conversa.

— Com licença — Me retiro da mesa assim que termino de comer e vou dar uma volta na propriedade com meu skechtbook para apresentar um projeto ao meu pai. 

       Quem diria que eu estaria aqui, desenhando a reforma da fazenda do meu pai por livre e espontânea vontade. 

— Não têm nada que precisa ser mudado aqui — O brutamontes aparece atrás de mim quando eu olhava a estrutura do celeiro. 

— A égua não estaria doente se o celeiro não fosse tão insalubre.

— O que você quer dizer com isso?

— Vê o mofo e a infiltração? — Começo — Isso significa que a entrada de calor não é suficiente para  secar a infiltração, isso porque o celeiro fica na sombra da casa.

— Hum.

— Dois — Complemento.

     Continuo a fazer centenas de desenhos e anotações para montar um projeto bem completo, precisamos de um sistema que tenha um custo-benefício alto. Voltei à casa apenas para almoçar, e claro, Rosa mandou super bem.

— Vi você com seu caderninho olhando a fazenda — Meu pai inicia.

— Achei que não falaríamos sobre negócios à mesa — Olhei para Pedro. — Estou fazendo rascunhos de como melhorar as instalações.

— Em um dia só você já montou o projeto? — Meu pai pergunta.

— Claro que não pai, especialmente para um lugar tão importante como esse. Vou pensar com bastante cautela pra que vocês não precisem reformar por um bom tempo. — Vi Pedro torcer o lábio.

— Que bom meu filho, já estou ansioso para ver este projeto. — Meu pai sorri e aquece meu coração.

     Assim que terminei de almoçar subi para o meu quarto a fim de descansar um pouco, eu amava a vista da minha janela. Peguei meu sketchbook e comecei a desenhar a vista. Como fazer com que assim que as pessoas entrem na fazenda tenham a visão mais linda possível?

      Colocar a minha criatividade para funcionar fora da minha zona de conforto é bem desafiador e excitante.

      Saio do meu quarto para pegar um copo d'água, para variar, encontro o mal encarado.

— Se continuar me secando assim vou desidratar — Provoco.

— Como se eu fosse olhar assim pra você — Pedro diz apenas.

— É ciúme da atenção do meu pai? É o quê?! O que você tem contra mim? — Pergunto depositando o copo na pia. — Se for por causa da sua irmã, eu garanto com todas as letras que não estou a fim dela e não desejo nada além da amizade dela.

— Esse é o problema, me diga com quem tu andas e eu te direi quem tu és — O cowboy continua a afiar a faca de carne.

— Não é porquê você andou com os cavalos e virou um que sua irmã vai virar a casaca. Talvez ela já seja como eu e você só tem medo de encarar a verdade. — Provoco. Talvez não seja uma boa com ele segurando uma faca mas não pensei nisso na hora.

— Ela não é como você! — Pedro, pela primeira na conversa, vocifera.

— Então por que tem tanto medo? — Pisco um olho e saio da cozinha estressado. Mas que cara chato! Só quero uma amiga, é pedir muito?

     Meu telefone tocou e no visou apareceu mãe.

— Alô?

Alô? Como você está?

Tem um agroboy insuportável aqui. Vive pegando no meu pé. — Sigo para a varanda. — Mas estou bem e você?

— É por você ser viado? Porque isso é homofobia!

— Mãe, querida, nem tudo na minha vida gira em torno da minha sexualidade — Tento camuflar a raiva na minha voz com ironia. — Sou gay, tanto quanto, engenheiro, filho, ansioso, lindo e tantas outras características que me constituem. Gostar de rola é apenas um acréscimo — Mantenho um sorriso irônico no rosto mesmo que ela não veja.

Você entendeu o que eu quis dizer, não foi por mal que te ofendi.

— A senhora nunca me ofende por mal, mas agora eu tenho que desligar, um beijo. Tchau. — Desligo antes da sua resposta.

     Eu vou começar essa reforma com uma piscina, porque eu só queria uma agora para me afogar. Mas que saco!

     Voltei a analisar a fazenda de vários aspectos até a noite cair. Estou morto de cansado e tudo que eu penso é na minha cama confortável, mas antes, um banho.

     Pego minha toalha e sigo para o banheiro. Sinto a água cair nos meus ombros, morna e relaxante. As lembranças de misturam na minha cabeça, minha mãe, meu pai, Pedro e tantas outras pessoas que fazem parte da minha vida. Me surpreendi quando senti as lágrimas molharem os meus olhos. Eu estou... Triste? Eu não me sinto triste... Me sinto?! Não, com certeza não é tristeza, é mais como se a ficha estivesse caindo agora, uau, descarga de ansiedade saindo pelo corpo em forma de lágrimas. Tudo em ordem por aqui.

     Saí do banheiro com a toalha amarrada na cintura e segui direto para o meu quarto. A noite estava linda e o brilho do luar invadia meu quarto. Cheguei perto da janela e comecei a observar a fazenda, os bichos já se aninham para dormir mesmo que a noite tivesse caído há umas duas, no máximo, três horas. A brisa enrijece meu mamilo e o ar puro invade meus pulmões.

     Visto um short, e ficando sem camisa, desço para jantar. Embora a mesa já estivesse recolhida, as panelas estavam na geladeira.

     Peguei a tigela de carne com batatas e o cheiro perfumou todo o ambiente.

— Puta que pariu, Rosa, eu amo tanto você! — Me sirvo de todo aquele manjar e coloco no micro-ondas pra aquecer.

      Assim que o micro-ondas apitou eu tirei o prato e sentei à mesa para comer. Como a comida de alguém pode ser tão gostosa assim? Deveria ser crime.

     Depois de comer eu deitei na rede, na varanda, para assistir série.

— Puta que pariu quanto mosquito — Bufo ouvido o zumbido característico. — Sai! — Começo a soprar — Sai!

— Se passar repelente eles param de te incomodar — Pedro avisa jogando o frasco na minha rede.

— Aí — Digo massageando o local em que o repelente pousou — Tá dando um de bom samaritano agora?

— Seu pai mandou para você. — Antes que eu pudesse questionar o vaqueiro vira as costas.







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