No limiar, rente à escuridão afiada daquele fim de noite, um único foco de luz manifestava-se de um veículo, um só carro no coração do enorme estacionamento da escola. Dele, um vago ruído emergia, um som que trocava-se entre gargalhadas desengonçadas e letras de músicas. O que certamente, não era algo tão convencional.
Foram diversos minutos os quais as duas amigas perderam-se entre risadas debochadas. Tantos, que em determinado momento, Clear jogou-se contra o assento do motorista, exausta de tanto esforço e quase sem ar. Sem sombra de dúvidas, a quase garrafa de vodca consumida pelas duas possuía uma grande parte de toda àquela graça.
A euforia era tanta, que Zoe deixou até mesmo seu celular cair sobre o empoeirado tapete do carro da amiga, mas sem demora, apanhou-o novamente. Em seguida, como Clear, se escorou no banco para que pudesse descansar com mais facilidade, uma vez que naquela altura do campeonato, já necessitava de algo para se apoiar.
— Aquele garoto é chato demais. — Clear desligou o celular e o deixou no espaçamento entre os dois assentos. — E ele não se manca.
— Eu já dei vários foras nele, mas parece que ele nunca aprende, e isso já tá chato — resmungou Zoe.
— Que bom que você se valoriza, porque ele... — Clear respirou fundo. — É um nada.
— E eu já não sei disso? Preciso de forças pra aguentar essa bobagem dramática dele todos os dias, parece uma necessidade.
— Falando em necessidade, preciso fazer xixi.
— Sério, já? Isso que dá tomar quase tudo.
— Até parece que você também não tomou, garota pura. — Aos cambaleios, Clear saiu do carro deixando até mesmo Zoe para trás.
— Ei, sua vaca, vai me deixar sozinha aqui? — gritou a amiga, também ausentando-se do veículo.
— É só um estacionamento, vazio e.. escuro.
— Justamente por isso, sou acostumada com esse lugar cheio de gente.
— E é disso que você deveria ter medo.
— Faz sentido.
As duas partiram juntas para o foco de luz mais próximo, um pequeno refletor posicionado em uma singela calçada de concreto. A luz que emergia do mesmo era fraca, talvez pelos anos que nunca fora trocada, ainda assim, aos tropeços, era literalmente uma luz no fim do túnel.
Na medida em que se aproximavam, deixavam para trás a silhueta profundamente escurecida da escola, que era tão horripilante quanto o próprio breu que pisavam. Eram três andares de pura escuridão e exílio total, pelo menos nas próximas horas.
Clear disparou para trás do memorial ali construído, e finalmente, pôde se alivar.
— Amanhã esse lugar vai estar muito louco, como todos os anos. — Ela ergueu-se, arrumando sua roupa mais uma vez na medida em que se ausentava da retaguarda da placa.
— Tem algum motivo especial? — perguntou Zoe, cruzando os braços.
— Esse. — A garota apontou para a pequena construção na qual estava atrás.
— Todos ano é isso, já tá cansando. — As duas se viraram e começaram a retornar ao veículo. — Eles já morreram, deu, vinte anos atrás, acontece. Essa cidade não sabe seguir em frente.
— Você é cruel.
— Ah, qual é. Tô mentindo?
— É.. na realidade não. Realmente é chato. Tudo isso que fazem sempre não vai trazer aquele pessoal de volta.
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Morticínio
HorreurE se um universo devastador criado por você, de um dia para o outro, se tornasse realidade bem à sua frente? Dezoito anos após um massacre escolar ceifar a vida de vinte jovens, um novo terror ressurge na conhecida cidade de Lakehigh, quando um a...