2

7 0 0
                                    

Quando eu falo que a minha mãe tem uma boca santíssima, ela tem mesmo. Eu deveria ter desconfiado logo quando ela começou a contar sobre a sensação ruim. Acendi mais um cigarro antes de criar coragem e ligar para ela, contando sobre o acontecido. Com toda certeza do mundo, a dona Marcia iria ficar muito brava quando ficasse sabendo. Sabe quando você é adolescente e começa fazer as coisas escondidos, com medo da retaliação? Pois bem, eu estava com essa sensação de ter feito uma merda muito bem feita. Eu estava puto. Puto por ter perdido a paciência que eu venho lutando há anos para ter. Todos os meus anos de terapia, onde eu reclamei constantemente sobre o instituto foram jogados por agua abaixo. Certeza que se o meu terapeuta soubesse e ele ia saber, o que eu fiz e o que eu falei, eu sairia do consultório vestindo uma camisa de força.

            Segurei o celular com força e fiquei encarando o contato de minha mãe. Senti a mão suar compulsivamente até que não tivesse mais escolhas. Liguei para o número e comecei a torcer para que ela não brigasse comigo. Ela não iria, logico, mas o medo era maior do que tudo neste momento.

- Oi filho! – disse minha mãe. Era possível ouvir ao fundo da ligação os barulhos do ambulatório – preciso falar rápido por que daqui a pouco eu volto pro plantão.

            Ouvir a voz dela me dava a paz necessária para que eu contasse pausadamente tudo o que aconteceu. Ela sempre falou "Quem fala a verdade, não merece castigo", então contei todos os detalhes. Até os sórdidos. Ficou um silêncio mortal enquanto contava e nem havia reparado que eu chorava. Chorei os três anos trabalhados com toda dor do mundo. Eu tenho esse problema. Quando fico nervoso, eu choro. Quando fico com raiva, eu choro. Quando tudo está dando uma merda gutural, a ponto de eu saber que não tem mais para onde correr, eu dou risada. Ela ouviu toda a minha explicação, sem fazer nenhum apontamento. Falei que eu iria procurar um emprego o quanto antes. Falei que eu não iria decepciona-la novamente e que eu me sentia um fraco por ter jogado anos de terapia e preces na foça. Ouvi sua respiração mudar e senti que era o momento de deixa-la dar sua opinião. Talvez os gritos viriam. Talvez ela ficaria puta da vida.

- Eu não consigo pensar em como dizer isso, filho – disse – a não ser de uma forma rápida. Será como tirar band aid de um ferimento, tá?

Concordei com um uhum.

- Embora eu não tenha gostado nenhum pouco de saber que você foi demitido e não tenha gostado de saber que você xinga igual a um delinquente, eu estou aliviada de saber que você saiu de cabeça erguida do instituto.

            Ela ficou louca? Eu acabei de falar que eu fui mandado embora, com uma mão na frente e outra atrás. Que eu xinguei o dono da empresa de megalomaníaco e que eu mandei ele se foder em alto e bom som. Por que ela não está brigando comigo?

- Fico triste pela situação, Jo – respondeu minha mãe com uma voz serena e tranquila – mas empregos vem e vão. Não iria durar para sempre, não é mesmo.

- Mas mãe, eu ofendi o dono!  - enfatizei. Cadê os gritos? – eu quase quebrei a sala!

- E você está melhor, não? – perguntou e eu concordei que sim – então acabou, filho. São ciclos. E ciclos finalizam.

            Respirei fundo e enxuguei as lagrimas. Eu estava péssimo. Mas sabe o que me fode real? É que na hora do acontecimento, na hora que eu fico bravo e tenho esses lapsos de memorias, eu não sinto nada. Eu me sinto bem por dizer o que eu penso. Mas não gosto de dizer da forma que eu sempre faço. Aos berros.

- Agora, se eu ver você falando desse jeito mais uma vez eu juro por Deus que eu tiro os dentes da sua boca e lavo com alvejante, tudo bem? – agora sim era a minha mãe – não fica muito tempo na rua, vai para casa. O plantão termina de madrugada e eu quero te ver dormindo.

Desculpe o SurtoOnde histórias criam vida. Descubra agora