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Parte IV

Durante os minutos que se seguiram, Harry tentou lembrar-se com clareza de todos os acontecimentos a respeito do fim da segunda guerra. As pessoas que tinham sido presas... e condenadas. Obviamente nomes muito conhecidos seus estavam naquela lista, mas não...

Ele não se lembrava de Draco Malfoy entre os destinados a uma estádia permanente na Ilha Prisão.

Não fazia sentido. Que o loiro e sua família nunca tivessem sido conhecidos por seu comportamento exemplar não era segredo - e não, Harry não queria lembrar-se do pai de Draco, o culpado de muitas de suas desgraças pessoais. - Mas mesmo assim... Azkaban? Que Draco fizera de tão sério... que escapara de seu conhecimento?

Harry encarou com firmeza o rosto de Draco, olhando-o nos olhos cinzas azulados. Que aqueles olhos tinham visto as mãos delicadas cometerem de tão cruel? Malfoy também o olhava nos olhos, sua expressão triste e constrangida. Difícil era dizer o motivo real daquele constrangimento - seria pelo quê Draco acabara de lhe contar ou... por todas as humilhações que ele sofrera na frente de Harry poucos instantes atrás? – Na frente de Harry Potter... aquele que por tantos anos fora seu inimigo nº1. Talvez uma fusão de ambos fosse uma boa resposta.

O último Potter sabia que não deveria sentir pena, que Draco jamais apreciaria esse tipo de sentimento, mas... o mais podia sentir ao mirar aquele jovem pálido, triste, quieto e assustado?

Compaixão? Misericórdia? Piedade?

"Você me olha como se eu fosse feito de vidro, Potter. Não se preocupe... não pretendo me desfazer em cacos aqui na sua frente".

Draco era alguém de alma quebrada - e Harry queria descobrir o porquê. Talvez fosse sua natureza sempre heróica, querendo resolver os problemas de todos... querendo salvar o mundo.

Mas talvez fosse apenas porque queria. Porque aquilo o deixaria em paz consigo mesmo.

"Como você veio parar aqui?" repetiu a pergunta de quase meia hora atrás, quando eles tinham iniciado aquela conversa tão peculiar.

O loiro revirou os olhos, agitando o cigarro nas mãos de modo nervoso.

"Já lhe disse, Potter. Estou aqui para continuar livre... muitos podem ter acabado naquela prisão de lunáticos, mas eu não."

"Mas o quê... o quê você fez... para ser condenado a Azkaban?" perguntou Harry em voz baixa.

Draco pareceu muito incomodado com a pergunta. Mais incomodado do que ficara com as mãos de Norton sobre seus ombros. Ele não parava de olhar para os lados, procurando qualquer assunto para distrair Harry, quando sentiu algo quente sobre sua mão estendida na mesa.

Ao baixar os olhos, Draco deixou a boca pender de leve.

A mão de Harry, muito mais morena e sadia, segurava-se firmemente na sua, entrelaçando os dedos dele com os seus.

Draco ergueu o rosto, sem palavras, as bochechas coradas como se tivesse bebido uma dose de conhaque puro de uma só vez.

"Me conte, Draco".

Draco puxou sua mão debaixo da de Harry e enfiou-a no colo, na outra o cigarro aceso ainda agitava-se de leve, a fumaça subindo trêmula e esbranquiçada, uma sombra pálida dando uma atmosfera fantasmagórica ao ambiente.

O bruxo moreno assistiu Draco respirar fundo e engolir em seco algumas vezes antes de começar seu relato. Num tom baixo e calmo. Medroso.

"Não deve ser novidade para você que minha família tinha (e ainda tem) inimigos, Potter. Muitos deles por acaso são ilustres colegas seus, eu acrescentaria". disse ele com uma pontada levíssima de sarcasmo que logo desapareceu. "E uma família sem ter quem a proteja pode vir tornar-se alvo fácil de seus inimigos... Há alguns meses, certos elementos conseguiram entrar em nossa propriedade e digamos que ouve alguma resistência de minha mãe e claro... de mim. Eles eram muitos, mas no entanto... eu consegui acabar com a raça de um deles".

Harry prendeu a respiração rapidamente. Agora se lembrava. Mas achava - na verdade tinha quase certeza - de que tudo não passara de um boato sem qualquer fundamento. Os Malfoy tinha sido suficientemente humilhados nesta segunda guerra - e com razão, pensou Harry - mas não havia sentido em provocar uma nova briga com os poucos que restaram da família, ou mesmo um ataque covarde a uma viúva e um rapaz. Por piores que eles fossem!

"Você vê então... na verdade nem sei se há alguma ordem de prisão contra mim... só sei que o sujeito caiu duro, com uma Avada Kedrava bem no meio das fuças!" Draco riu-se ligeiramente, relembrando a cena. "Chamam-nos de bruxos das trevas, bem... deveriam estar esperando que os receberíamos com as três maldições nas mãos, certo?"

Não pode deixar de sentir uma ligeira irritação com aquele tom jocoso e displicente, afinal Harry tivera mais de um ente querido morto por aquelas duas simples palavras. Mas daquela vez era diferente... - uma vozinha inquietante lhe disse - Draco fez isso para se defender, para sobreviver... até mesmo você já a usou antes...

"Você deveria tentar explicar ao ministério..." disse Harry, mas calou-se tão logo viu o sorriso enviesado na face que Draco torcia numa careta desgostosa.

"Ah o ministério..." ele sorriu maliciosamente, rodando os olhos outra vez. "Fudge pode não ser mais o manda chuva, Potter, mas algo continua podre por lá... qualquer um que tenha ouro pode ganhar a confian..."

"Até onde eu sei... vocês não são exatamente uma família sem posses, Draco". interrompeu Harry sem paciência.

As sobrancelhas de Draco se ergueram.

"Deveria saber que a guerra acertou seriamente as nossas finanças, Potter. Ser um Malfoy hoje não é exatamente uma vantagem, muito menos motivo de orgulho... mas isso não faz mais diferença... agora, o que houve com seus amigos, Potter? Parece que nem está mais em contato com nenhum deles..."

Harry deixou escapar um "oh" de surpresa. Suas atitudes estariam sendo tão transparentes assim?

"De fato... não".

O sorriso no rosto de Draco era simples, mas franco. "Eu entendo. Parece que temos algo em comum afinal..." ele baixou a cabeça, olhando para as próprias mãos. "Somos dois fugitivos de nossos próprios mundos. Eu... temendo a prisão... a vergonha... mas e você, Harry Potter? Do que você foge?"

Harry não sabia exatamente da onde viera sua resposta, contudo as palavras fluíram tão normalmente que pareciam já fazer parte de si.

"De mim, Draco Malfoy. Do fantasma de Harry Potter... do herói que salvou o mundo. Do menino que sobreviveu".

Os lábios de Draco entreabriram-se, mas ele assistiu Harry em silêncio.

Continua.

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