PARTE II

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Quando todos estavam reunidos ao redor da lareira crepitante, Judi se acomodou confortavelmente em sua cadeira de balanço e sorriu de forma sombria.

— Há muitos anos, mais anos do que eu posso contar, quando Papai Noel ainda era apenas Nicolau, sangue inocente pintou a terra — seus olhos passaram pelos rostos das crianças. Todos de olhos arregalados e curiosos, aguardando avidamente as próximas palavras da avó — um homem muito mau, chamado Père Fouettard, era dono de um açougue e junto com sua esposa acumulou uma grande fortuna, cobrando preços injustos e ameaçando quem os devia.

Luiz olhou para seu primo, Lúcio, antes de olhar para a boneca destruída de sua irmã, esquecida em um canto da sala.
Judi não seguiu seu olhar, nem olhou para a boneca, apenas assumiu uma expressão sombria e moveu seus lábios, deixando as palavras doces e hipnotizantes dançarem no ar:

— Père não perdoava dívidas, então, quando descobriu que dois de seus devedores haviam gastado todo o pagamento que pertencia à ele comprando presentes para seus filhos, ficou enlouquecido de raiva.
Chamou por sua esposa e juntos orquestraram um plano macabro, uma lição para que nunca mais ninguém deixasse de pagar por suas mercadorias.

"Três crianças que andavam sorridentes pelas ruas cobertas de neve não repararam na sombra que os perseguia. Dois irmãos e um primo brincavam, chutando os flocos de gelo e cantando cantigas natalinas, quando entraram sem perceber em um beco pouco iluminado e vazio".

— Quem os seguia, vovó? — Alice perguntou com seus olhos castanhos brilhando, um casaco vermelho cobria seu corpo e aquecia sua pele.

— É o que vamos descobrir, querida.

Judi começou a se balançar levemente na cadeira, encarando cada um dos cinco netos.

— Père encurralou as crianças e com a ajuda de sua esposa as colocou dentro de sacos e levou para seu açougue.
Chegando lá, amarrou cada uma delas e disse: "seus pais me devem, mas escolheram gastar o dinheiro com presentes para vocês. Nada mais justo então se eu usar vocês como mercadoria".
O homen então pegou sua mais bem afiada faca e cortou as gargantas das três crianças antes que pudessem ao menos gritar por socorro.
O sangue vermelho manchava o chão branco o calor que emanava do líquido fazia uma leve fumaça branca subir pelo ar congelante.
Père então olhou para sua esposa com um sorriso brilhante e disse: "vamos preparar a carne querida, logo logo os clientes virão fazer as compras para a ceia".

— Vovó, por que está contando uma história tão assustadora na noite de Natal?

Iara, a mais velha de todos se pronunciou, com os olhos arregalados e as mãos inquietas.

— Pois alguns não ficaram bem comportados durante o ano e podem receber a visita de Père.

Quando o silêncio se instalou e apenas respirações altas eram ouvidas, Judi continuou a história:

— Fouettard despedaçou as crianças e guardou seus pedaços em barris, na intenção de vender mais tarde, recebendo assim o pagamento que os pais dos meninos o deviam.
Mas então um homem alto e robusto entrou em seu estabelecimento, olhando com ferocidade para Père e a esposa, olhou para todos os lados, se fixando nos barris e dizendo: "o que te levou a fazer um crime tão cruel, Fouettard? O dinheiro é tudo que lhe interessa?".
Père sem resposta para dar, apenas sorriu para o homem que ainda o fuzilava com o olhar, dizendo logo em seguida: "deseja alguma coisa?".
O homem de vermelho sorriu para ele, um sorriso frio e calculado: "desejo sua alma, Fouettard".

Arquejos assustados vieram das crianças, mas Judi não se importou. Eles se comportaram mal, mereciam um castigo.

— O homem era Santo Nicolau e naquele momento ressuscitou as três crianças e as transformou em seus ajudantes. A esposa de Pére foi morta e o dono do açougue teve sua alma escravizada, sendo condenado a seguir Nicolau por onde ele fosse. Naquele dia, Nicolau também decidiu que daria presentes a todas crianças do mundo, para que todas pudessem sentir a alegria de serem presenteadas na noite de Natal independente das dificuldades financeiras, e Père seria sua sombra, levando carvão aqueles que não eram bons e buscando os muito ruins para fazer de seus ossos carvão.

Nenhuma criança se pronunciou, apenas encaravam a velha com horror, até que Ana tomou coragem e disse:

— É real, vovó?

— Sim, minha querida. Para saber se Père está chegando, basta escutar com atenção os sons. Chicotes estalando, campanhias tocando sem parar, correntes, sinos, anunciam sua chegada. E saibam, se foram mal criados, ele virá.

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