Dália Bandeira

Eu sou o livro que você não leu
          
          Eu queria ser o livro que você devorou em poucos dias, mas que sempre voltava para ler as suas citações preferidas. 
          
          Eu queria ser o livro que você dissertou na mesa de bar, mas não queria que ninguém lesse, pois queria guardar as palavras dele para você, pois o livro era seu e nele só você pode deleitar. 
          
          Eu queria ser o livro que você esqueceu para ler de novo. 
          E de novo 
          E de novo. 
          
          Eu queria ser o livro que te fez sorrir no metrô e que quando perguntavam o motivo do sorriso você apontava para ele. 
          
          Eu queria ser o livro que você deixava ao lado da sua cama para lê-lo antes de dormir e assim que acordar. 
          
          Eu queria ser o livro que você cita na terapia para pautar os seus sentimentos e dar razão ao que você sente por dentro. 
          
          A verdade é que eu queria ser o livro 
          Que você abriu pela primeira vez em um domingo 
          Deitada na rede
          Na varanda
          Vendo a vida passar. 
          Colocou-o contra o peito e decidiu nunca mais o abandonar. 
          
          Dália Bandeira 

Receita 
          
          Eu fui ao médico e disse: 
          Me desapaixone. 
          Me cura desse mal que consome e faz cada palavra, cada gesto ter um nome. 
          
          Doutor, me desapaixone. 
          Preciso de um remédio, qualquer coisa, eu tomo e puff, o sentimento some. 
          
          "Mas por quê?" o doutor pergunta.
          Se ela quisesse e se eu pudesse, nunca pediria essa receita. 
          
          Doutor, me desapaixone, corte esse mal pela raiz, tire da minha boca seu nome. Deixe meu coração de ninguém, como era. Deixe que eu nunca mais lembre dela. 
          
          Dália Bandeira 

Desencaixe
          
          Eu sei que é extremamente errado. 
          Esse sentimento é tão errado que não consigo dizer aqui. 
          É errado por tantos motivos. 
          Queria saber como a gente se deixa levar por coisas assim tão erradas. 
          Por que eu encaixo pensamentos em lugares sem espaço para eles? 
          Não cabe esse gostar. Não cabe gesto nenhum. 
          Não tem quê. 
          Não tem se. 
          Eu e ela 
          Nunca poderá acontecer.
          
          Dália Bandeira 

Pombo correio 
          
          O amor que te entreguei incansavelmente não chegou. Mandei pelos correios. Extraviou. 
          A dor maior é que, mesmo que chegasse, você não saberia ler. 
          Eu escrevo em português, você lê em polonês. 
          O ps: estava em japonês. 
          O amor que te mandei cheio de selos não chegou. 
          E não é culpa de ninguém. Ele extraviou. 
          Eu mandei e você esperou. 
          Esperou. 
          Esperou. 
          Até que se cansou de esperar. 
          Cansou de procurar na sua caixa de correios o amor que eu enviei 
          E não chegou. 
          
          Dália Bandeira 

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