As luzes da vizinha ligavam sempre sete horas da noite. Era algo tão pontual que, depois de mais de duas semanas, eu fiquei pensando se havia algum tipo de inteligência artificial por trás daquilo. Talvez ela tivesse algum device conectado, que fosse responsável por sempre ligar as luzes no mesmo horário. Uma Alexa, por exemplo. Ou qualquer coisa parecida. A ideia me fascinava um pouco, porque eu sonhava em fazer computação e trabalhar com a área de machine learning, mas pensar que alguém tinha feito alguma programação para ligar luzes de Natal também me fazia rir.
O fato delas acenderem sempre no mesmo horário também facilitava minha vida. Muitas vezes ficava tão preso nos meus estudos que nem me dava conta da hora passar. Pelo menos quando as luzes acendiam eu voltava a me situar no mundo e sabia que daqui a pouco minha mãe apareceria querendo saber o que iríamos jantar e que eu teria que gastar um pouco do meu tempo com ela, antes de voltar a estudar.
Ainda era um pouco incômodo e me dava bastante nervoso ver as luzes de Natal piscando na tela do computador, mesmo que ela estivesse ligada e com brilho total. Ao mesmo tempo, o acender das luzes e a forma como elas entravam no meu quarto sem serem convidadas já tinha meio que virado rotina. Era esquisito, mas uma esquisitice bem pequena perto de todas as que 2020 trouxe.
Ri sozinho, abrindo mais um vídeo e vendo as luzes refletindo na cabeça do professor que me explicaria sobre respiração celular. Espiei pela janela, mas a varanda estava vazia, apesar de toda acessa. A que ponto chegamos... O ano estava tão maluco que eu vinha me apegando às luzinhas...
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A Luz Que Há Entre Nós
Short StoryMurilo é um pré-vestibulando que está arrancando os cabelos por não saber quando (ou se) vai conseguir fazer sua prova de vestibular no meio da pandemia. A sensação que ele tem é que passou o ano inteiro estudando a troco de nada e, verdade seja dit...