17 de novembro de 2020: Dia 01 da luz

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Desde março, todos os dias na minha vida eram exatamente os mesmos. Ou, pelo menos, era assim que eu me sentia. Preso em casa por conta de uma pandemia, tudo que eu fazia era estudar o dia inteiro. Estava um calor infernal e o verão já mostrava a que viria. Tudo que eu queria era poder sair de casa e ir pegar uma praia na manhã seguinte, mas é claro que não podia. Não só porque ainda estavam em pandemia, mas também porque faltavam dois meses para o ENEM e eu estava desesperado.

Como um pré-vestibulando em um ano atípico, sentia que precisava correr muito atrás do prejuízo se quisesse ter alguma chance de ser aprovado na prova, que excepcionalmente seria realizada no início do ano seguinte. Tinha tido sorte porque minhas aulas estavam sendo remotas, ainda bem superficiais, desde o início de toda aquela confusão. Porém, o tempo que tinha economizado não precisando me deslocar para o colégio, eu tinha reinvestido em mais tempo ainda de estudo individual.

Estava com a cara enfiada em seu livro de história, tentando decifrar uma questão sobre a formação do partido republicano no império brasileiro quando algo muito fora de minha rotina aconteceu. Em um piscar de olhos, meu quarto inteiro se iluminou. As luzes coloridas e brilhantes faziam com que eu me sentisse diretamente em uma pista de dança, debaixo de um globo de luz. Olhei em volta, sem entender nada, me questionando se a famigerada loucura da pandemia tinha, enfim, chegado até mim.

Foi só quando cheguei até a janela, que ficava ao lado de minha mesa de estudos, que percebi o que acontecia. No prédio da frente, uma de minhas vizinhas estava terminando de enrolar pisca-pisca no beiral de sua varanda. O vácuo entre nossos prédios era muito escuro, então só conseguia ver sua silhueta e o pouco que o piscar de luzes mostrava. Mas ao ver a cena, ficou bem claro o que acontecia: a luz ia diretamente em minha janela, causando aquele efeito de balada dos anos 70 no quarto. Era tudo que faltava naquele ano, sinceramente. Não sabia de onde aquela garota tinha tirado espírito natalino, mas desejava que ela o guardasse de volta.

Irritado, fechei a cortina. É claro que aquilo era uma péssima ideia, já que cortaria a entrada do raquítico vento que ainda tentava soprar naquela noite abafada. Todavia, sentir calor era melhor do que me sentir em uma rave, especialmente quando estava se tentando absorver algo de história e ser aprovado no vestibular que tinha tudo para ser o mais difícil dos últimos anos.


A Luz Que Há Entre NósOnde histórias criam vida. Descubra agora