Parte 1 - O desejo

269 31 10
                                    


Suspirar não podia ser pior.

Não em uma noite de Natal, há algumas horas do jantar e com a família reunida.

Para qualquer outra pessoa no mundo, esse cenário poderia ser algo maravilhoso, mas não para mim. Não quando isso apenas me lembra tudo o que não posso ter.

Ao olhar em volta me pego em um lugar que a muito tempo aceitei que não voltaria a pisar os pés. A sala de jantar dos meus pais é grande e aconchegante. Decorada de modo elegante, os moveis dispostos são de boa qualidade e estão dentro da moda.

É claro que minha mãe, Jane, não permitiria nada mais do que o melhor em sua casa. Ela nasceu em berço de ouro, acostumada a riqueza e beleza. Seu trabalho na politica somente selou seu estilo de vida acima dos padrões.

Já meu pai, Adam, veio de uma origem mais humilde, cresceu escalando a sociedade com unhas e dentes, nunca se deixou abater pelas circunstâncias difíceis de sua vida. E sendo o grande cafajeste que é não demorou a fisgar o interesse de minha mãe.

Não que não existe amor entre os dois. Posso garantir que ambos se amam e se odeiam nas mesmas proporções. O casamento deles sempre foi dramático, do tipo que mergulha em pratos voando e gritos, para terminar com os dois namorando no sofá da sala.

Com uma mãe Alfa e um pai Beta, as pessoas diriam que as coisas seriam melhores. Afinal a designação não bateria neles de modo tão potente, todavia ninguém leva em consideração o nível dramático de suas personalidades.

Logo crescer nesse lar foi uma forma de pesadelo para mim. Primeiro, porque passei muito tempo sozinho ou com as inúmeras babás que tive no decorrer da minha infância e adolescência. Segundo por ter que lidar diretamente com o drama entre os dois, que sempre estiveram mais voltados para seu próprio relacionamento do que seu único filho.

Isso quando não estavam constantemente presos em suas carreiras e eu era delegado para os cuidados de uma babá.

Crescer em um lar assim foi muito complicado, mesmo em meio a riqueza sempre me senti sozinho. O pior tipo de solidão é aquele imposta por quem você ama.

Depois, minha designação já era esperada antes mesmo da minha apresentação tardia, no final dos meus dezessete anos. Uma idade onde muitos jovens designados Alfas já estavam acostumados com a explosão de hormônios e conseguiram se estabelecer com pares ômegas ou betas.

Devo admitir que durante todas as etapas consideradas normais, fui um mero espectador, sempre olhando e sempre sendo deixado para trás.

Muito disso vem da minha personalidade explosiva, quando adolescente fui um pirralho mimado e hipersensível que somente conseguia me expressar na base da raiva. Lembro que esse sentimento facilmente me dominava, na escola, em casa ou em qualquer lugar que estivesse.

O pior de tudo é que não conseguia controlar isso e quanto mais velho eu ficava, estando cada dia mais próximo de minha apresentação e consequentemente da minha primeira rotina, os sentimentos eram mais intensos e descontrolados.

Mal tinha entrado nos meus dezessete quando tudo explodiu em meu corpo. Foi assustador e frenético. De alguma forma consegui pular a janela do meu quarto, dois andares sem quebrar nenhum osso e comecei a caçar.

Andei e andei por várias horas, sozinho na madrugada escura, procurando por algo, caçando alguma coisa que fizesse a minha dor ir embora. Meu corpo inteiro queimava de dentro para fora enquanto uma raiva como nenhuma outra nadava em minhas veias, escorrendo por meus lábios. Eu parecia a porcaria de um cachorro raivoso.

Um Desejo De NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora