Creio que o melhor é partir, ir-me e não fugir. Que tudo acabe num instante."
-Frida Kahlo -
Gotas de chuva escorriam persistentemente no vidro da janela.
Lá fora a grama e as copas das árvores ganharam um tom vívido e intenso de verde. Os arbustos de bougainvilleas rosas contrastavam com, a cerca branquinha e as tulipas azuis contratavam artisticamente com a extensa paleta de tons verdes.
Lá em cima. No segundo andar da casa.
Deitada em sua cama. Melíssa fitava com Nostalgia o papel de parede verde água com flores alaranjadas e róseas do seu quarto.
O cômodo era grande e espaçoso.
Uma penteadeira, rústica, de mogno branco com frascos perfumes dos mais diversos tipos de formato e cores que ocupavam graciosamente a maior parte do móvel;e uma cadeira de estofado azul turquesa igualmente antiga, ocupavam o pedaço de parede livre ao lado esquerdo da maior janela do quarto.
Uma cama de casal dossel encostada à parede perpendicular que continha duas janelas médias, era oposta à duas portas brancas, que levavam uma ao closet e outra ao banheiro.
No centro um tapete felpudo da cor do céu agraciava o lugar.
Prateleiras e mais prateleiras transbordando livros e ursinhos de pelúcia adornavam as paredes.
Cada detalhe do cômodo foi carinhosamente decorado com ajuda de seus pais.
Anos atrás.
Às vésperas de completarem oito anos de idade, Melíssa e kirstten decidiram que já eram grandinhas o suficiente para cada uma ter seu próprio quarto.
O "divórcio " havia sido presente de aniversário.
Nessa época ,as divergências entre as duas estavam cada vez mais acirradas.
Assim , cada uma poderia libertar seus talentos artísticos, decorando seus quartos à gosto.
E discussões por causa do tapete rosa que não combinava com os detalhes da cama ou as cortinas azuis que eram velhas demais, não seriam mais o motivo de ficarem dias sem se falarem.
Agora, as brigas ganhariam novos temas.
A disputa por atenção dos pais era frequentemente pivô para rabugices entre as irmãs.
O fato do Sr. e Sra. Miller estarem empolgadíssimos e mais do que orgulhosos pela gêmea -quatro minutos mais velha, detalhe crucial para as duas- ter conquistado uma bolsa integral em Mountain ,estava deixando a caçula desgostosa.
Enquanto que sua irmã estaria perto de casa e dos" amigos", ela estaria sendo banida. Exportada para uma cidadezinha, com ênfase no " inha ",longe de tudo e todos.
A universidade local realizava todos os anos uma seleção entre os dois melhores alunos de cada escola para concorrerem à uma única vaga para uma bolsa integral na instituição.
As gêmeas chegaram à final.
Entretanto, Melíssa perdeu por zero vírgula dois décimos para Kirstten.
E isso significava que kirstten tinha ganho uma grande batalha.
Conquistar essa vaga era mais do que um prestígio para as famílias de Barth e Hellena, nascidos nas duas tradicionalíssimas famílias de Mountainvil.
Donos de empresas importantes para a região montanhesa, tais quais a editora de revistas Sélection e a empresa de advocacia Miller's, manter a genialidade da linhagem era objetivo de vida.
Assim, como na teoria de Darwin, em A origem das espécies, que diz que apenas os organismos mais adaptados à ambientes limitados sobrevivem.
Os mais fortes.
Era como se Melíssa tivesse que admitir a todos que era uma fraca.
Perdedora .
Isso estava muito além de sua força de vontade.
Ir para Montgomery era uma forma de evitar a vergonha pública de ter perdido por décimos para Kirstten. E enfim se soltar das amarras que sua cidade a impunha. Buscaria agora sua liberdade. Lá. Longe das obrigações familiares, poderia enfim ser ela mesma. Fazer amigos de verdade. Sem aparências. Ou sorrisos cínicos para aturar. Seria apenas o dela. Se necessário . Claro .
Nada de ter que aguentar falsos moralismos.
Concorrendo àquela única vaga, as duas sabiam que só uma atingiria o mérito, mas, Melíssa estava confiante que seria ela a ganhadora. Sempre foi muito competitiva.
A competitividade . Uma característica intrínseca às duas.Muitas vezes responsável por grandes decepções. E tombos bem altos.
Batidas à porta interromperam mais devaneios da garota.
Era Hellena com seus peep toes nudes e vestido branco de alta costura .
A senhora que já passava dos quarenta, tinha os mesmos olhos expressivos e escuros das irmãs, cabelos ondulados e ruivos emolduravam o delicado rosto . O nariz fino e empinado lhe dava um ar irrevogável de autoridade .
-Ainda deitada ,meu roxinol?! - disse a mãe, com sua voz melodiosa de sempre ,encostada à porta.- seu voo sai as nove...
- Oh - murmurou Melíssa ainda pensativa
- Barth e sua irmã já estão lhe esperando para o café a manhã ...-continuou Hellena se aproximando cautelosamente de sua filha- sei que não lhe agrada essa mudança repentina...mas ...espero que compreenda um dia que fizemos isso para o seu bem...
-hmmmm
-Será o melhor para você - repetiu a mãe reprimindo um soluço -um dia você vai entender Mjay..
-acho melhor ir me arrumar...
-Oh sim...Não demore! -disse a mulher já se recompondo. -não é educado deixar as pessoas esperando à mesa.
Após sua mãe sair do quarto, Melíssa levantou -se e foi em direção ao banheiro . Fez sua higiene matinal.
Amarrou seus longos e bastante ondulados cabelos inflamaveis em um coque frouxo.
vestiu suas roupas íntimas. Colocou uma blusa branca simples de alcinha, um suéter preto de cashmere, seus jeans escuros com rasgos na coxa e no joelho esquerdo ,Calçou seus sneakers de salto alto cor vinho em contraste com a roupa.
Conferiu pela milésima vez sua mala/ baú. Marcando a cada item em sua checklist um "X " vermelho , ao lado de outros cinco - que indicavam inspeções anteriores .Fez o mesmo com sua bolsa no mesmo tom dos seus sneakers.
Arrumou meticulosamente sua cama, esticou e dobrou cada lençol com o mesmo cuidado de todas as manhãs, e afofou igualmente cada um de seus travesseiros.
Com um longo suspiro, observou atenciosamente cada detalhe do seu quarto. Cada rachadura e lasquinha na tinta da parede ,que um dia ela e seus pais pintaram. Cada tabua envernizada do piso. Cada fiozinho do tapete fofo em que costumava deitar para assistir a suas series favoritas, enquanto se lambuzava comendo brigadeiro com pipoca salgada. Cada frasco de perfume que não coube na bagagem, costumava comprar um em cada lugar para qual viajava com a família. A melhor lembrança de um lugar é o cheiro. Ah ,o cheiro amadeirado com leves resquícios de canela do seu quarto. Cada ursinho de pelúcia que ganhara na infância. Cada livro lido nas tardes de verão, quando o sol invadia radiante o cômodo.
Pegou sua bolsa .E com passos decididos foi em direção ao primeiro andar da casa.
Essa seria com certeza uma longa segunda-feira
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A prisão Montgomery
Teen Fiction"Assim que nascemos choramos ,por nos ver nesse imenso palco de loucos " -William Shakespeare - ######### -Se me permite uma sugestão... – disse entregando um cartão para a Miller caçula. - Pocilga hotel? ! –leu piscando freneticamente. - Não se dei...