| Quatro |

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(alerta gatilho)

Carta n° 01

Para o acaso que eu não sobreviva, comecei escrever isso, então: Olá, Bianca do futuro!

Como você se sente hoje, Bia? Saiba que você, de alguns anos atrás, não está nada bem.
São exatamente 03:21 da madrugada, hoje é dia 13/04/2015, eu não sei o que pensar, minha cabeça parece estar fora do meu corpo, eu tive um dia horrivel e eu tô bebendo um vinho seco.

Eu não sou a pessoa que gosta de escrever. Não sei onde é início, meio, final... parágrafo, conclusão e essas maluquices. Talvez eu saiba apenas escrever. E, definitivamente, escrever isso aqui não é umas das minhas maiores habilidades.

Pra falar a verdade, só estou passando isso pro papel porquê minha psicologia pediu. Eu preferia passar os dias inteiros trancada no quarto, deitada na cama, com a luz apagada, e bebendo todo e qualquer álcool possível. Mas, minha amiga não deixaria isso acontecer. E eu a odeio por causa disso. A odeio por cuidar de mim. A odeio porquê, por mais que eu saiba que não é saudável, eu só quero afogar minhas mágoas na bebida.
E, não, eu não sou alcoólatra, nem nunca deixaria isso acontecer, mas caralho, eles fazem passar a dor, e isso é bom!

Isso não é um diário, pra falar a verdade, por mais que eu esteja meio que "desabafando", está bem longe de ser algo "secreto". Segundo a minha psicóloga, já que eu não consigo falar nas sessões com ela - e, por favor, quem ela pensa que eu sou para sair falando da minha vida para alguém que só estar ali para me escutar porquê eu estou pagando? - ela pediu para que eu escrevesse. Ela disse que ia aliviar e me fazer mais relaxada - eu posso relaxar com álcool e chorando horrores, não vejo problema nenhum nisso.

Então, já que vou escrever minhas lamentações aqui, lá vai:
( eu já estou chorando)

Hoje faz um mês que meu noivo e minha mãe morreram num acidente de carro, eu estava dirigindo e perdi o controle da direção por causa de uma ligação do trabalho. Aí que eu te questiono, Bianca do futuro, não estou certa em querer não conversar sobre isso com alguém e querer me afogar em bebidas?

Meu noivo, Fred, morreu na mesma hora do acidente, o carro capotou cinco vezes, e os vidros o cortou em vários lugares diferentes, o impacto, também, o fez ficar totalmente em pedaços e seu coração foi parando aos poucos. A minha mãe ainda ficou dois dias no hospital, ainda pude lhe dar o último beijo, o último abraço e dizer o quanto eu a amo.
Eu, por sorte ou azar, não tive nada muito sério, vários arranhões, uma braço quebrado, mas não morri. E, por deus, só eu sei como queria ter ido no lugar deles.

Às vezes eu me pergunto e pergunto para Deus, o porquê Dele não ter me levado também. Por que eu não morri? Por que eu tive que enterrar minha mãe e meu noivo? É muita crueldade e judiação.

Eu sei que não era a noiva perfeita, muito menos a filha perfeita. Errava sim, como todos, e mesmo assim, eu que tive que passar pelo inferno.

Os incontáveis demônios que eu lutei e luto até hoje para não ter que me entregar totalmente. Sendo bem sincera, não sei como eu ainda não me entreguei. Se foi falta de coragem, se foi ver o quanto minha família sofreu e não querer que eles sofram mais. Eu precisava ser forte... forte para minha irmã, porquê ela é uma das pessoas que mais amo no mundo. Precisava ser forte para ter que ouvir todas as críticas possíveis da família do meu noivo. Precisava se forte por ser chamada de assassina todos os dias pela mãe do meu noivo, e ter que pedir imensas desculpas a ela.

Tudo o que nos uniu || RaBiaOnde histórias criam vida. Descubra agora