Capítulo 2 - Sofia

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"Eu não quero ir".

De supetão, a ideia de sair daquela sala lhe assombrou. Em questão de segundos aquele pensamento emergiu e inundou a sua mente, tomando conta de todos os seus movimentos a partir de então. Ela mordiscou o lábio e deixou os olhos esverdeados saírem da porta aberta e vaguearem pela sala de descanso em que estava. Do lado de fora ela via e ouvia o hospital a pleno vapor, mas do lado tudo estava calmo. Ali haviam poltronas e sofás encouraçados, uma mesa de centro redonda com tampo transparente e abarrotado de revistas médicas com pés amadeirados, uma mesa maior e igual de jantar rodeada por cadeiras fofas de uma cor... estranha, e atrás dela e fazendo a volta em toda a sala, menos onde tinha uma geladeira velha e a porta pro banheiro, uma bancada cor de gelo com balcão embaixo como as de laboratórios, duas pias, micro-ondas, cafeteira e tudo necessário pra se preparar cafés. Do lado esquerdo de Sofia, a parede tinha janelas grandes com persianas horizontais brancas que ajudavam a ajustar a luminosidade natural da sala. Do lado direito, um quadro branco todo rabiscado com casos de pacientes.

"Eu não quero ir".

Ali dentro era tudo tão confortável e sereno e seguro. Tudo era calmo e tranquilo e a sensação de solitude... Ah...! Era bom respirar um pouco ali. Os últimos dias foram de trabalhos muito intensos. Todos os cochilos de Sofia tinham sido naqueles sofás, era quase a sua segunda casa.

Sofia fechou os olhos e tentou ignorar os sons de vida e morte vindos do corredor. Não deu certo. Tentou, então, se concentrar no seu próprio corpo.

"O que eu estou sentindo? Vamos lá, Sofia. Vamos começar por cima. Ok.", ela respirou profundamente. "Meu cérebro está formigando, meu trapézio está tensionado, meu coração bate muito rápido e muito forte, mas pelo menos tem um ritmo constante. Meu coração tem um ritmo constante. Ele tem. Tá tudo bem. Minha respiração está pesada e acelerada. Eu consigo controlar isso. Eu consigo controlar ela. Foca, Sofia. Foca. Um... Dois... Três... Quatro..." Cada vez que inspirava ou expirava ela ia contando quatro segundos. Os primeiros foram horríveis, bem difíceis, e ela ficou com a impressão de que não estava conseguindo respirar, mas com o tempo e as tentativas foi ficando mais fácil. O seu pensamento - sempre chamado para o barulho de fora - constantemente era conscientemente forçado a voltar para o seu barulho interior. Sua psicóloga uma vez dissera que o exercício não era ficar com o pensamento estático, mas sim o de trazer ele de volta sempre. Alguns segundos (que pra ela mais pareciam horas) depois a sensação no seu cérebro foi passando, a intensidade do seu coração foi diminuindo e ela até mesmo sentiu relaxar não só o trapézio, mas também alguns outros músculos espalhados pelo corpo que ela não tinha se dado conta de que estavam contraídos.

Ela levou as mãos pálidas de dedos compridos e unhas bem cuidadas ao peito e entrelaçou os dedos sobre ele, se deixando levar pelo ritmo de subida e descida do seu diafragma. "Eupneica, ótimo. Eu consegui", ela pensou enquanto um sorriso discreto fazia elevar as extremidades dos seus lábios. Deixou-se sentir o tecido azul do seu scrub e aproveitou para alisa-lo quando relaxou os braços novamente. Os olhos se abriram mais seguros de si. Ela crispou os lábios e deu o primeiro passo em direção a porta. O segundo já ficou mais fácil, o terceiro foi mais leve, no quarto ela passou pela mesinha de centro e alçou seu estetoscópio que deixara jogado ali por cima quando entrou na sala. Num movimento ágil, jogou-o na volta do pescoço e deixou passos mais decididos a guiarem para fora do recinto. Puxou os cabelos ruivos e lisos presos em uma colinha para fora e ergueu a cabeça encarando o mundão ali fora como se ela fosse a pessoa mais corajosa do mundo.

Sofia dobrou a esquerda e seguiu por um corredor bem movimentado. Naquela ala haviam alguns consultórios médicos e salas de coleta de exames laboratoriais, todas de portas fechadas. Ao longo dos corredor, escoradas nas paredes, pacientes lotavam as cadeiras pretas e pouco confortáveis disponibilizadas para a espera. A maioria das pessoas tinha consulta agendada, mas Sofia passou por uma ou outra aparentando enjôo e febre.

Quando o coração paraOnde histórias criam vida. Descubra agora