01 | a partida

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'Apegue-se ao teu Deus, meu filho, pois ele nunca abandona os seus', minha mãe costumava me dizer quando estava viva. E como um bom menino, também me apeguei a essa espécie de mantra, acreditando quase que cegamente que a tal fé me serviria como escudo contra qualquer malefício que a vida pode tramar. Nunca fui posto à prova, mas foi ali naquele momento, em que senti pela primeira vez a amarga sensação de que Deus me abandonou. Ou que, talvez eu não seja um dos 'seus', ou que sequer fui um filho digno da sua proteção.

Cada passo que eu dava era um estilhaço de esperança e infortúnio. Diversos medos ou coisas que eu detestava por puro capricho viraram grão de areia assim que adentrei aquele corredor, a fim de encarar o pior pesadelo que alguém poderia ter. Com as mãos algemadas, medo e indignação estavam mixos e homogêneos. Meus olhos não conseguiam mais chorar, mas estavam doloridos e talvez dilatados devido a luz escassa da passagem.

Dois policiais andavam atrás de mim, no mesmo ritmo --- que aquela altura eu já não sabia dizer se era rápido demais ou lento demais. Meu estômago retorcendo em borbulhas assemelhava-se com meu pensamento, cheio de rabiscos e nós impossíveis de serem desatados. Minha respiração ficou densa de repente, sendo então o único som que eu estava 'autorizado' a fazer. Não podia dizer nada, mas mesmo se pudesse, não conseguiria dizer.

As algemas prateadas e geladas faziam meus pulsos se debaterem por vontade própria, mas pior que o desconforto delas --- somado com o desconforto do cubículo que era ser transportado dentro da viatura --- era temer o agente penitenciário. Ele tinha uma faca, que desviava alguns feixes de luz assim como as algemas. Me vigiava com as sobrancelhas franzidas, duvidei se ele estava tendo um dia ruim ou se aquela era a cara dele mesmo, o que é bem mais provável.

Depois de alguns passos pelo corredor da penúria, chegamos em uma sala, ampla e vazia, sem nenhum luxo além da pintura bicolor: entre vermelho-vinho e um bege morto. O agente da direita se aproximou do meu corpo, me dando um pequeno tremilique. Um passo a frente fez sua voz sair em um rosnado.

ㅡ O que vão fazer? ㅡ Sussurrei medroso. Nunca estive naquela situação e sinceramente nunca quis estar, muito menos pensei que um dia eu estaria. Ele apenas negou, deixando o ar sair pelas suas narinas como um búfalo raivoso. Então, no minuto seguinte o silêncio foi quebrado pelo som das algemas se abrindo. Movi meus dedos sentindo um falso gosto de liberdade, até mesmo dando um pequeno sorriso de lado. ㅡ Obrigado, que alívio!

ㅡ Mão na cabeça. ㅡ Ele ordenou. Sua voz era potente, alta e rude, do tipo que pode te paralizar instantaneamente. Hesitei por alguns segundos o obrigando a repetir a ordem. Nunca tive problemas com disciplina, mas eu ainda estava em estado de choque, processando que a partir daquele dia eu não seria mais um estudante de economia e sim um presidiário largado a própria sorte. ㅡ Senta no chão. Abre os braços. Tira a camisa. ㅡ Recebi mais ordens assim que executei a primeira.

Suspirei fazendo tudo que era mandado, metade com medo de uma consequência e a outra metade com medo do tratamento por vir.

ㅡ Levanta. Mantenha a cabeça baixa. Vira pra parede. Continua com a cabeça baixa. ㅡ Engoli a seco, naquele ponto, tentando retomar a minha confiança em Deus, e que se ele estivesse me olhando, me tiraria do meio daquele terrível mal entendido. Me revistaram mais uma vez me fazendo gemer.

ㅡ Pra quê isso? Eu estava na viatura, moço, é necessário passar por isso de novo?! ㅡ Questionei.

ㅡ Tira a roupa. ㅡ Ele ordenou mais uma vez. Olhei para trás, um pouco insubordinado, sem saber o que esperar. ㅡ Vamos, tira a roupa, puto!

ㅡ A-Até a cueca? ㅡ Sussurrei mais uma vez, medroso da sua voz potente e da faca. Ele revirou os olhos e veio a tirar de mim por conta própria. Totalmente nu e exposto, finalmente descobri o propósito da faca --- além de me doutrinar através do medo, serviu para cortar as pernas da minha calça jeans, o figurino do meu "crime", bem como os bolsos, após mais uma revista.

ㅡ Era uma calça bonita até. Você parece um típico filho de papaizinho. ㅡ Fiquei calado enquanto papeavam. ㅡ Ah. Avisando logo que é pra depois não choramingar. Você chegou agora, então não está na lista do almoço. O jantar, talvez você consiga. Água é só três vezes ao dia.

ㅡ Ahn?! Três vezes? Como alguém pode sobreviver assim... ㅡ Resmunguei, mais parecendo como um soluço. Passei a me auto-questionar se eu merecia mesmo passar por aquela tortura, mas desde que passei do primeiro portão, senti minha alma se esvaindo e fugindo do meu controle.

ㅡ Agora, com as mãos pra cima. ㅡ As levantei outra vez. ㅡ Agacha e levanta, 3 vezes. ㅡ Soltei o ar pelo nariz os obedecendo com certa relutância. ㅡ Está com vergonha? Hmn?!

ㅡ Isso é humilhante... ㅡ Murmurei entredentes, o agente me forçou para baixo a agachar. Na última vez, fiquei embaixo, com sua mão pesando sobre meu ombro, mesmo que meu corpo estivesse tremilicando de pavor.

ㅡ Agora tosse. Tosse forte! 3 vezes! Se tiver algo no seu corpo... Vai sair de um jeito ou de outro. ㅡ Ele falou me fazendo tossir contra minha vontade, senti minha garganta queimar e meus olhos marejarem.

ㅡ Vocês ainda não entenderam que eu não sou um criminoso? Eu não deveria estar aqui! ㅡ Raspei o último resquício de esperança que me sobrava, mas o agente da faca apenas rosnou e me fez levantar mais uma vez.

ㅡ Cala a boca! Não interessa se deveria ou não deveria, você está aqui agora e você tem regras a cumprir. De frente pra parede! Sempre! Mão pra trás. Veste. ㅡ Me jogou a calça rasgada a partir das coxas e a camiseta. ㅡ E mais, é 'sim senhor' e 'não senhor' pro seu agente. Sem perguntas, sem mimimi! Aqui você obedece se não vai pra solitária. Entendido, Lee?!

ㅡ ... S-Sim senhor. ㅡ Respondi em puro desespero depois de devidamente vestido. Depois desse momento traumático, a vida de presidiário realmente havia começado, passando por mais um corredor imundo até chegar na minha cela: a minha nova morada daqui em diante.

RODEO | MONSTA XOnde histórias criam vida. Descubra agora