Finalmente consegui sair daquele inferno com o pescoço a salvo, ainda tenho que agradecer aquela senhorita por ter me livrado de um assassinato; sororidade é algo que deveria ser mais utilizado, já somos sozinhas, quem iria nos defender a não ser nós mesmas? E todo esse cenário hipócrita acabaria; é algo que irei pôr em prática quando me tornar rainha.
Ando cuidadosamente pela floresta, já está tarde, quase na hora do jantar se não chegar lá a tempo mamãe vai me colocar na guilhotina, a rainha sempre foi muito rígida, o tempo a desgasta ainda mais, porque quem sempre cuidou de tudo foi ela, mal vemos o papai e infelizmente a minha vida toda foi assim com a ausência no lugar dele, que sempre está ocupado com suas responsabilidades de rei. Entro pela entrada dos criados, leva direto a cozinha, percebo que todos estão muito ocupados preparando e organizando a comida, parece um baile com as damas rodopiando indo e vindo com as bandejas e carrinhos, eles não percebem minha presença, preciso me apressar; logo chego ao meu quarto todo ornado no dourado, verde esmeralda e branco, papai fala que são tons que combinam comigo, cores de uma rainha ele me disse uma vez.
Vou para o banheiro, percebo que a Srta. Amália já preparou a água quente para o meu banho, tiro meu comprido vestido preto, descanso na banheira; o dia foi intenso, preciso arranjar uma desculpa para colocar o insolente no castelo, ao meu lado, assim consigo vigiá-lo para que meu segredo se mantenha a salvo, o cavalo para a senhorita consigo facilmente. Escuto uma batida na porta, é uma das criadas, hora de colocar a minha máscara ser perfeita.Desço as escadas de mármore branco, meu vestido cinza combina com o céu de hoje, o tempo que eu mais gosto; no gigantesco castelo me sinto como se fosse apenas um mero fantasma, vagando sem rumo, afogada em meus pensamentos. A criada me guia até o salão de jantar, ao que parece meu pai chegou mais cedo do que o previsto, algo deve ter o apressado, sempre que eu e a mamãe estamos aqui nunca jantamos neste local, somente na sacada, algo mais informal que me deixa um pouco mais a vontade; mas o rei gosta de regalias e fartura, então mesmo um jantar informal rotineiro tem que ser em um salão tão grandioso. Entro no extenso cômodo, uma mesa enorme posta, carregada de comidas, cinco pratos principais, nunca vou conseguir entender o motivo de tanto exagero, o rei está realmente contente. Minha mãe me olha com um ar de aprovação, meu coque com as pontas soltas e o vestido tem alguns detalhes em preto, aparentemente ela gostou; meu pai está mais focado em beber, ele deve sentir saudade, a melhor cerveja do reino é dessa região. Me junto a eles, não sei nem o que começar a comer, meu pai finalmente percebe a minha presença.
- Você está bonita filha - sorri orgulhosamente, no mesmo instante sinto um calafrio, algo de muito ruim vai acontecer.
- Obrigada papai - Retribuo o sorriso, com um ar de desespero, olho para a mamãe que está distraída bebendo sua taça de vinho.
Os garçons nos servem a comida, temos o hábito de resolver todos os assuntos na mesa, enquanto comemos resolvemos questões do reino, família, alianças e até mesmo dos mais fúteis assuntos, isso faz parte da nossa rotina independente das imensas viagens do rei. Meu pai, András, aparenta cansaço; a barba grisalha o deixa mais velho, seu pequeno olho não deixa sua íris cor mel muito aparentes, os cachos se formam ao final dos cabelos, pretos azulados curtos, a postura rígida esconde um homem alegre carinhoso e fiel a família. Minha mãe, Ayla, com seus cabelos castanhos lisos, postura impecável, olhos escuros, lábios rubros, olhar ameaçador, ousada e destemida, uma verdadeira rainha. Meu pai interrompe minhas análises.
- Nas minhas viagens para consolidar as alianças com o reino Alfhild e Njord, a onda de neve está chegando, temos que nos apressar. - Ele tem um olhar atento e aflito, suspiro angustiada, minha mãe permanece tensa, ela respira fundo.
- Enquanto você estava fora, fui organizando a exportação e impostos, estamos com baixa produção agrícola devido às cigarrinhas, pragas no solo, estou ainda mais apreensiva com essa situação - O meu pai se cala e fica pensativo, tenta processar alguma solução cabível - Vamos dar um jeito minha querida.
O ambiente fica tenso e em silêncio, todos muito reflexivos na devida conclusão; voltamos a atenção à comida enquanto o estranho ar paira sobre nós. O inverno em Hageback é extremamente rigoroso, afeta a todos principalmente os camponeses e a plantação, grande maioria passa um extremo frio, o período de cultivo é interrompido bruscamente. A calada se quebra.
- Eu irei resolver a tempo, fiquem tranquilas meus amores, dará tudo certo - Ele diz calmamente, com extrema certeza; eu invejo a paciência dele, confio que ele irá resolver- Infelizmente minha chegada é passageira, estarei de volta logo, irei trazer a solução - Minha mãe assente.
- Só tome cuidado pai, se cuide, e retorne logo antes da nevasca, deixe que nós cuidemos de Hageback - Ele me olha com carinho, fica mais despreocupado, sua postura relaxa na cadeira.
- András, volte antes da neve e juízo - Ela se dirige a ele com um tom mais engraçado.
Aproveitamos a noite juntos, meu pai se esbaldando na cerveja, minha mãe mais tranquila e alegre, eu me divertindo vendo tudo aquilo, uns dos poucos momentos que deixamos de ser a família real e nos tornamos apenas uma simples família, sem toda aquela responsabilidade e pressão.
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Um Eterno Talvez
Romance3 vidas. Amor & Ódio. Lealdade & Traição. A vingança e o medo andam lado a lado. Algo além de outras vidas... Realidades opostas trilhando o mesmo caminho para uma única certeza...Um eterno talvez.