A campainha da padaria Mellark ressoava cada vez que a porta da frente era aberta por fora, impedindo que qualquer pessoa passasse por ali despercebida. Peeta estava nos fundos, onde ficavam os fornos, e preparava algum tipo de pão com nozes e especiarias quando ouviu a campainha tocar. Era um horário que habitualmente não havia clientes, então ele achou um pouco estranho e por um momento pensou em ir ver quem era, mas logo desistiu da ideia e apenas continuou o que estava fazendo. Desde a reinauguração do estabelecimento, Peeta contratou um atendente para ficar no balcão enquanto ele próprio se encarregava de abastecer as vitrines com a maior variedade de pães e doces que alguém poderia imaginar. Mas é claro que sempre que podia ele fazia questão de dar atenção a quem entrasse em sua loja. No momento, ele estava tão concentrado que não viu quando Hektor apareceu na porta da cozinha.
- Senhor Mellark... - ele esperou até que Peeta o olhasse - Tem um homem lá na frente que quer falar com o senhor.
- Ele não se apresentou? - Peeta perguntou.
- Ele... ele me disse o sobrenome mas eu não consegui entender direito. Era alguma coisa com H, ele disse que você o conhece. - Hektor respondeu.
H... Peeta buscou em sua memória algum amigo cujo sobrenome iniciasse com H, mas era inútil, todos estavam mortos. Ele só lembrou de uma única pessoa, mas não queria acreditar que fosse ele.
Peeta tirou o avental que usava, lavou as mãos na pia que ali havia e se encaminhou para a frente da loja, acompanhando Hektor, que caminhava na sua frente.
- Ele está ali, senhor. - Hektor apontou para uma das mesas do pequeno café que Peeta havia montado ali.
A cada passo que Peeta dava, ele sentia o coração pulsar mais forte em seu peito e a enxurrada de dúvidas surgir em sua cabeça, a ponto dele achar que perderia a sanidade naquele momento. Mas ele não deixaria isso acontecer, não agora. Ele se apoiou em uma cadeira, fechou os olhos e esperou que aquela sensação passasse. Ele não sabe quanto tempo se passou até que tivesse recuperado o controle da sua consciência, mas logo retomou a caminhada até onde Hektor havia indicado e parou próximo à mesa. Ele limpou a garganta antes de proferir qualquer palavra.
- Gale, em que posso ajudar? Você aceita alguma coisa? - Peeta perguntou em seu tom naturalmente tranquilo.
- Eu gostaria de um café, por favor. - o outro respondeu.
A distância mantida entre eles era a mesma de sempre, de modo que não se tornava estranha, afinal eles nunca foram próximos e preferiam que assim continuasse. Peeta preparou um café e levou para Gale.
- Hektor me disse que você queria falar comigo, imagino que não tenha sido só por causa do café... - Peeta falou e Gale riu.
- Não, não foi, apesar que me disseram que eu não poderia ir embora sem conhecer a sua padaria. Você realmente fez um bom trabalho aqui. - Gale falou e depois levou a xícara à boca.
Peeta agradeceu e não esboçou nenhuma outra reação. Ele só queria acabar com aquilo o mais rápido possível, porque Gale despertava muitos fantasmas com os quais ele não gostava de lidar.
- Olha, a Katniss não está aqui, ela está na floresta. - Peeta soltou a informação e suspirou, como se tivesse tirado um peso de seus ombros.
- Eu não quero falar com a Katniss, e mesmo se eu quisesse ela não me escutaria. - Gale falou com imenso pesar na voz.
Já haviam se passado dois anos desde o fim da guerra, desde a morte de Prim, desde que ele fora embora para o distrito dois e desde que ele falara com Katniss pela última vez. Ele a conhecia muito bem para saber que uma parte dela nunca iria perdoá-lo por ter ajudado a criar as bombas que mataram sua irmã, mesmo que ele não soubesse do plano de Coin. Então depois de muito tempo convivendo com o fantasma de Katniss, ele apenas procurou seguir a vida, deixando-a no passado que era o lugar onde ela deveria ficar.
- E o que te traz de volta ao distrito doze? - Peeta indaga.
- Tive que trazer uma encomenda para um cliente e terei algumas reuniões por aqui amanhã. - Gale responde.
Eles ficam em silêncio por algum tempo e Gale passeia com o olhar por todos os lados do ambiente, mas sua atenção é direcionada a um dos porta-retratos que havia ali, nele estavam Peeta e Katniss, exibindo enormes sorrisos em seus rostos. Ele não sabe explicar por que, mas a foto lhe traz uma sensação de felicidade. Peeta nota que ele estava olhando para a foto.
- E qual é o real motivo de ter vindo até a padaria? - Peeta continua o interrogatório.
- Sabe aquela garota ali? - Gale aponta para a foto e Peeta assente com a cabeça. - Eu já fui apaixonado por ela, talvez eu ainda seja.
O peito do loiro ardia em ciúme, mas ele tentava ao máximo não transparecer. Não é possível que Gale tivesse ido lá apenas para lhe dizer isso.
- Mas você não precisa se preocupar comigo, nem com qualquer outro homem. Esse sorriso aqui... - Gale agora segurava o porta retrato em suas mãos. - Ela só exibe esse sorriso quando está com você.
Peeta relaxou um pouco os ombros, que até então estavam bastante tensos.
- Ela precisa de você. Ela quis ficar contigo. Sempre foi você, eu nunca tive capacidade de ser a pessoa que ela queria. Não entenda meu pedido como uma exigência, eu não tenho moral para tanto, mas, por favor, faça ela feliz. - Gale deu uma pausa e respirou fundo, como se estivesse escolhendo as palavras que iria usar.
O loiro, que sempre foi tão íntimo das palavras, não conseguiu falar nada tamanha era a surpresa provocada pela fala de Gale.
- Peeta, mais uma coisa, não posso ir embora sem que você me prometa que irá cumprir todas as promessas que fizer a ela. - Gale agora fitava os olhos azuis de Peeta.
- Eu prometo. - Peeta disse, enfim.
Gale levou a xícara à boca uma última vez e por fim sorriu satisfeito com a resposta de Peeta.
- Em todo caso, eu nunca estive aqui e nós não tivemos essa conversa. - Gale falou, ao que Peeta logo concordou.
Gale levantou da cadeira que estava sentado e fez um breve cumprimento, o qual o outro prontamente correspondeu. Gale aproximou-se de Peeta.
- Cuida bem dela, porque nós dois sabemos sabemos que você nunca vai encontrar outra pessoa melhor que ela. - Gale falou em um sussurro, como se estivesse contando um segredo a Peeta.
Ele se afastou, deu uma última olhada na foto de Peeta e Katniss sorrindo, virou as costas e saiu pela porta da frente da padaria Mellark, levando com ele a certeza de que sua Catnip estava em boa companhia.
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Cuida bem dela
FanficApós dois anos do fim da guerra, Gale volta ao distrito 12 devido a compromissos do trabalho, mas ele aproveita a oportunidade para tomar um café e ter a conversa que ele adiou por tanto tempo.