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É engraçado como certas lembranças ficam tão frescas que parecem que ocorreram há pouco tempo. Ainda me lembro de quando aos oito anos fui ao dentista para extrair um dente de leite.

O dentista era um homem baixo, de meia idade e possuía uma feição cansada. Seu consultório parecia uma espécie de nave espacial com todos aqueles aparelhos estranhos e obsoletos. Embora eu relutasse a entrar naquela sala cheirando a éter, fui instruído por meu pai que bons garotos não deveriam ter medo. Ele sempre dizia que o homem é moldado pelo seu medo: enquanto a covardia nos faz meninos eternos, a coragem nos tornará homens maduros.

Naquela época, o simples conselho não fez a menor diferença, pois eu ainda tinha medo, e tudo o que queria era sair do consultório e ir jogar bola no campinho. Não sei por quanto tempo fiquei sentado na cadeira com a boca aberta, enquanto observava o velho dentista, usando uma máscara branca, extrair de mim toda a coragem que me restava. Eu apenas fitava o teto sem cor e refletia sobre as palavras do meio pai que aguardava na recepção enquanto folheava jornais velhos. Eu senti raiva por ele ter me deixado sozinho e ansioso a mercê de um dentista idoso de mãos trêmulas. Alguns anos mais tarde, entendi que foi naquele mesmo dia que meu pai me ensinou o que era ter coragem. 


Outra lembrança que jamais esquecerei foi aquela tarde de primavera. Nunca havia passado naquelas redondezas, mas a fachada simples do local me chamou a atenção. Estava acostumado a almoçar no restaurante em frente ao escritório de contabilidade, onde eu e meu amigo Carlos trabalhávamos. Mas, naquela tarde, ele foi almoçar com a noiva e quis apreciar algo que não seria servir de vela em um almoço romântico.

Em uma volta pelo quarteirão, encarei o letreiro em letras brancas Cantina Santini .

Pelo nome deduzir se tratar de um ambiente com atmosfera italiana, o que era ótimo, pois estava cansado de comer arroz, bife e salada. Embora não soubesse ao certo, algo me convidava a entrar por entre o jardim de roseiras brancas, contornado pelas grades amarelas.

Um casal acabara de entrar à minha frente, e não contive um sorriso ao constatar que por mais que tentasse fugir, estava fadado a ter que dividir um ambiente com algum casal apaixonado. Sentei em uma mesa ao fundo enquanto observava a decoração rústica do local. Mesas cobertas por toalhas quadriculadas em vermelho e branco e uma vitrola encostada a uma parede com vários quadros de fotografias. O restaurante, se não fosse pela quantidade de mesas, assemelhava-se mais com uma sala de jantar de uma família comum.

— Boa tarde. Em que posso ajudar? — uma voz aveludada e feminina fez com que eu levantasse os olhos do cardápio. Era a voz mais doce e angelical que escutara na vida. Ao me deparar com aqueles grandes olhos azuis tive a certeza de que as orações de minha mãe estavam sendo respondidas.

Ela era. Só podia ser ela!

— Gostaria de fazer o pedido, senhor? — embora sua voz permanecesse suave, seus olhos estavam impacientes, o que me fez sorrir. Meu Deus é ela! Não tem como não ser! — Temos o prato do dia: Spaghetti ao molho de ragu.

Eu não consegui tirar meus olhos dos dela. Era de um azul tão intenso, o qual nunca vira antes. Parecia um céu sem nuvens. 

Atentei melhor ao seu rosto. Seus cabelos, negros como a noite, estavam presos em um nó mal feito de onde caíam fios ao redor de seu rosto alva e delicado. Seus olhos azuis como o céu em dia claro, me encaravam impacientes por debaixo de longos e negros cílios. A cor de seus olhos a fazia parecer um anjo que emanava uma paz que agitava meu coração. 

Definitivamente ela era a mulher mais bela em todo o mundo. De repente, todas as outras se tornaram invisíveis e eu tive a certeza que nunca soube o que era amar até conhecer tão encantadores olhos azuis. 

Aqueles Olhos AzuisOnde histórias criam vida. Descubra agora