8.

605 82 11
                                    

Ajeito a mochila pesada em meus ombros, acabei alugando alguns livros para estudar quando sai da escola. Dobro a esquina da rua de minha casa me preparando para tirar Mary da cama e forçá-la a ir trabalhar e depois estudar mais um pouco antes do meu turno no Paxton's começar.

Já passava das cinco quando terminei de organizar todos os didáticos da biblioteca, acabando com o castigo que levei quando quebrei o nariz de Joe no refeitório. Ele teve que ser levado para a enfermaria ontem e soube que desmaiou assim que lhe mostraram a agulha com anestésico. Confesso que não consegui conter minha alegria ao descobrir.

Forço meus pensamentos a continuarem na imagem fabulosa do nariz de Joe sendo quebrado pela bandeja da escola, mas a voz de Aiden me puxa para o momento em que nos despedimos no ginásio. Não nos falamos muito durante as aulas hoje. Será mesmo que sou tão inconfiável como ele disse que sou? Talvez a diretora Beauhart esteja certa. A garota Brown é perigosa.

Já posso ouvir qualquer aluno e professor da escola lhe jogando comentários maldosos sobre mim.

"Não confie na Brown, ela é traiçoeira"

"Faça isso e prepare-se para os chifres crescendo em sua cabeça"

"Ela tentou dormir com o seu pai!"

Fodam-se todos!

— Polícia? — franzo a testa avistando o carro da polícia estacionado em frente minha casa, e logo uma mulher de roupas formais sair de minha casa sendo seguida por dois policiais segurando tia Mary pelos braços. — Ei! Larguei ela! — apresso o passo correndo ao seu encontro. Os policiais se afastaram a pedido da moça  — Tia Mary! Onde você está indo? O que está acontecendo? — indago perdida.

— Querida, querida, me escute. — me chama fazendo-me calar ao prantos. — Eu não posso mais tomar conta de você.

— Do que está falando? — pergunta ainda não entendo o porquê eles estarem ali, a levando.

— Sua tia não está em condições de cuidar nem dela mesma. — a mulher ruiva de blazer responde com a feição preocupada. — Maddison Brown, não é? 

— Como sabe o meu nome? Pra onde está levando a minha tia? — me levanto com raiva. Não podem fazer isso...ou podem?

— Sou Amanda Huston, do Conselho tutelar. — gelo instantaneamente.

A última vez que tinha ouvido falar do Conselho tutelar, me tiraram da capela da igreja onde meu pai havia me abandonando e me levaram para um convento.

— Sua tia precisa de reabilitação, e como ela é a sua única parente viva, você precisa vir conosco.

— Pra onde vão me levar? 

— Um lar para jovens que estão na mesma situação que você, Maddison. Precisa vir conosco, ainda não completou dezoito anos, não pode cuidar de si mesma.

— É claro que eu posso. Não vou a lugar nenhum! — vejo os brutamontes levarem minha tia até o carro.

— Não pode ficar sozinha, Maddison. É para o seu bem. — Ela fez um sinal para que um dos policiais o vendo vir na minha direção.

Sem pensar muito do que estava prestes a fazer, largo minha bolsa pesada na grama correndo para o quintal dos fundos ouvindo gritarem o meu nome e logo os dois caras grandes me perseguirem. Pulo facilmente para a caixa de lixo alcançando a cerca do outro quintal passando por cima da mesma. Volto a correr assim que piso a grama do vizinho me desculpando quando passo em disparada pelas crianças e pela mulher que se assustou com minha presença.

Saio na outra rua vendo os policiais pulando a cerca que pulei. Aproveitando a boa distância entre nós, corro pela rua percorrendo todo o caminho que vim desde que saí da escola. 

***

Eu não sei para onde vou, eu não tenho outros parentes, ou pessoas que poderiam me ajudar. Tento pensar em alguém, mas a única pessoa que consigo pensar faz meu coração acelerar e eu não sei se isso é uma boa idéia, tudo piora quando a nuvens carregadas começaram a cercar bem acima de mim.

Abraço meu corpo quando meus lábios começam a tremer de frio, minhas roupas estão encharcadas, a borracha da sola do meu tênis absorvia cada vez mais a água das poças da calçada deixando minha meia úmida. O frio está cada vez mais intenso e eu estava a ponto de me jogar contra o chão  e desistir de procurar ajuda, algo que eu nunca faço dessa maneira.

Mas as pessoas precisam de ajuda, as vezes.

Me aproximo da varanda da casa avistando  Aiden sentado com fones de ouvido, lendo um livro no banco de madeira protegido da chuva. Assim que põe seus olhos em mim, se levanta rapidamente.

— Maddison? O que está fazendo? Vem logo pra cá! — exclama para me proteger debaixo da varanda ao seu lado, mas o ignoro.

— Durante toda a minha vida, eu nunca precisei da ajuda de ninguém, porque... — respiro fundo — apesar dos pesares, eu tinha a Mary do meu lado. — continuo parada no mesmo lugar. — Apenas eu e ela, sem qualquer indício de piedade do cretino que eu, um dia, já chamei de pai. Eu disse à mim mesma que não importa os que os outros digam sobre mim, eu faria o que eu bem quisesse, quando eu quisesse e com quem eu quisesse...até eu ficar reprovada nessa porcaria de matéria de física e conhecer você, justo você, Aiden. — sorrio em meio a chuva forte. — Eu já fiquei com tantos babacas que já perdi a conta, caras que sempre somem no dia seguinte, e que na maioria das vezes nunca lembrei se quer o nome. Nenhum deles mal chega perto do que você foi pra mim essas semanas. 

Aiden sorri para mim, o que faz meu coração se agitar. Talvez eu nem sentisse mais frio naquele momento.

— Não vou mais deixar que alguém fale de mim daquela forma, nunca mais. Eu não sou mais aquela garota, apesar de não ver nada de errado em ser promíscua quando se está solteira. É isso que muitos homens fazem e ninguém diz nada. — reclamo ouvindo sua risada. — Mas agora estou disposta a provar a você que eu sou sim, uma garota à quem se deve confiar seus sentimentos, tá legal? — rolo os olhos sentindo certa vergonha quando ele continua sorrindo lindamente pra mim — Eu só consigo pensar como seria se eu passasse uma simples noite com você, só consigo pensar em como  seria perfeito acordar com seu sorriso de manhã cedo, tomármos café juntos e fazer alguma coisa brega de casal o resto do dia, qualquer coisa, menos dividir aqueles milkshakes. Eu não divido comida. — dou de ombros enquanto ele ria baixo escutando cada palavra minha. 

Sou surpreendida quando o vejo sair da varanda andando até mim. Sua mão agora molhada, de algum jeito, aquece minha bochecha com o toque.

Aiden rodeia os braços a minha volta me abraçando fortemente em meio a chuva, aquele gesto fez todo o frio que sentia ser irrelevante. Isso me deu forças para continuar e revelar tudo o que estava passando pela minha cabeça naquele momento.

— Mas agora eu preciso deixar todo o meu orgulho de lado, Aiden. E o que eu sinto por você também, porque...eu preciso muito da ajuda de um amigo agora, e você é o único amigo que eu tenho... — digo por um fio de voz não sabendo mais se a água que molhava meu rosto é da chuva ou das minhas próprias lágrimas.

Continua...
Preparados pro penúltimo capítulo?

Correto demais (Contos de Riverside)Onde histórias criam vida. Descubra agora