𝚘 𝚍𝚎𝚜𝚙𝚎𝚛𝚝𝚊𝚛

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𝟸𝟺 𝚍𝚎 𝚓𝚞𝚕𝚑𝚘 𝚍𝚎 𝟸0𝟷𝟼 

𝙷𝚘𝚛𝚊 𝟾 𝚍𝚊 𝚟𝚒𝚊𝚐𝚎𝚖

𝚂𝙰𝙼𝙰𝙽𝚃𝙷𝙰 𝙷𝙰𝚁𝚅𝙸𝙲𝙺 

Eu abro os olhos, e minha consciência retoma o funcionamento devagar.

Estou no Chevrolet cujo os pneus ainda chiam em alta velocidade pelo asfalto. De ambos os lados da estrada, planícies de verde se estendem até onde a vista alcança, pontilhadas por grandes manadas de bois e búfalos. O céu clareia timidamente de um tom alaranjado diluído para um azul-bebê.

Tateio o solzinho triscando minhas clavículas já por força do hábito. A julgar pelas fisgadas ferozes em meu pescoço ao mínimo movimento, acho que adormeci de mau jeito. O horário em meu celular cadavérico diz que são seis e quinze da manhã.

Olho pra Colin no exato segundo em que ele está entornando um gole do energético, os olhos vidrados no para-brisas. Pego o mapa rabiscado na mochila e estico para contemplar toda a sua extensão.

— Onde estamos? — pergunto.

Cole olha pra mim brevemente, um sorriso de lado.

— Perto de Dayton, Ohio. E tem baba no canto da sua boca, Rapunzel.

— Ah, obrigada. — Eu esfrego a manga do moletom nos lábios. — Dayton, Ohio... Hm. Vamos parar daqui a pouco, não é?

— Vamos. Temos que comprar ração pro Miado — Colin me lança uma encarada um tanto reprovadora —, abastecer e trocar de motorista. Meus punhos já estão formigando.

Concordo com a cabeça.

— Eu tô com fome. — Espicho o corpo para trás por entre o vão dos bancos, em busca da bolsa cinza no assento traseiro. Meu cachorro e Amanda ainda dormem praticamente de conchinha, inabalados pelo sacolejar do carro e a falta de espaço. — O que temos na mala de comida?

— Comida. — Colin ri, o piadista do século.

— Há, há. — Deslizo o zíper pela costura e espio os pacotes lá dentro. — Uh, uvas! Tá servido?

— Não acho que seria uma boa mistura com o Redbull, mas valeu — Colin dispensa educadamente. — E, Sam... ainda não caiu a sua ficha sobre o que nós estamos fazendo?

Arremesso três uvinhas verdes na boca de uma só vez, sem saber ao certo o que meu melhor amigo quer dizer.

— Ahn. Já, ué. Nós estamos fugindo de casa com o carro roubado do seu pai para ir atrás do meu pai, conseguir uma carreira de modelo para a Amanda e te emancipar. Bobagem. — Mais umas uvas. — Coisa do dia-a-dia.

Colin dá uma gargalhada meio grogue.

Há muitos e muitos anos ele vem planejando se livrar legalmente da custódia dos pais. Logo que completou dezesseis — que é a idade mínima para a emancipação em Nova York —, Colin tentou conversar e convencê-los pelo diálogo, o que obviamente não funcionou. Desde então, o garoto se empenha em dar o máximo de trabalho possível para vencer o Sr. e a Sra. Shields pelo cansaço e convencê-los assim a assinarem os papéis.

Ele já foi suspenso da escola, expulso do time de natação, fumou, bebeu, pichou o muro de casa, estourou o cartão de crédito da mãe e até encrencou-se com a polícia por correr pelado na rua para cumprir um desafio de festa — infelizmente, eu vi tudo. Cole também tem o antebraço fechado de tatuagens não autorizadas, um piercing no canto da boca e outro na sobrancelha. Sua reputação já afundou tanto que talvez seja irrecuperável, mas ele sempre fala que ainda não está satisfeito.

O Pior Segredo do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora