1. A fotografia assombrada

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"Que coisa enganosa é uma fotografia

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"Que coisa enganosa é uma fotografia. Dizem que a memória engana. Nem de longe tanto quanto uma fotografia."
Jonathan Coe

O clima estava quente, afinal dia após dia o verão chegava de mansinho, tornando as horas de trabalho cada vez mais morosas. Lee Minhyuk olhava para fora, observando o laranja daquele fim de tarde, e enquanto seus alunos do quarto ano, há muito já estavam em suas casas, ele continuava ali na sala dos professores, preenchendo cadernetas. Que bom que o dia seguinte era o primeiro de um conveniente feriado prolongado, em que poderia esparramar-se em sua cama e dormir incontáveis horas longe de toda a agitação que sua turminha de crianças de nove anos lhe trazia todos os dias. Não que odiasse seu trabalho, na verdade amava dar aulas, e sendo franco, era um homem tão agitado quanto seus alunos, por isso era tão amado por eles, mas mesmo um jovem de 29 anos também pode ser tomado pelo cansaço.

Minhyuk era apaixonado pela docência. Ensinar era seu dom. Sua missão neste mundo. E ainda que não soubesse desde quando surgira tal sentimento, estava convicto disto. Havia também a noção um tanto narcisista de que para seus alunos seria um dos fatores responsáveis por moldar seu caráter, sua visão de mundo, gostava tanto desta ideia que sempre esforçava-se para ser para ser um professor que ficaria para sempre marcado nas lembranças daquelas pedaços de gente em franco desenvolvimento. Assustava-lhe a perspectiva de ser esquecido, assim como seus próprios professores foram esquecidos, perdidos em memórias borradas e desordenadas de sua infância e adolescência.

Na verdade, se forçasse um pouco sua mente, apesar dos rostos permanecerem desfocados, conseguia resgatar com alguma nitidez algumas sensações, sentimentos e eventos de quando estava no fundamental em sua pequena cidade natal no interior. O que contudo era impossível quando se tratava de sua adolescência, não entedia o motivo, mas esta etapa de sua vida era uma lacuna vazia entre a infância e a vida universitária. Já consultara um e outro neurologista que atestaram não haver nada de errado com as áreas responsáveis pelo armazenamento das memórias, Minhyuk era fisicamente um homem saudável, contudo indicaram-lhe procurar ajuda psiquiátrica, coisa que foi covarde demais para fazer. Na verdade, convenceu a si mesmo de que tais memórias sequer faziam falta, embora a sensação de ausência estivesse ali, elas não eram exatamente cruciais para o seu dia a dia.

Contudo, ultimamente sentia-se impelido a lembrar. Talvez fosse uma possível precoce crise dos trinta que causava-lhe a sensação de estar sendo roubado, como se lhe fosse negado o direito de recordar. Desconfiava que o gatilho fora a decisão de parar de descolorir os fios que costumava manter platinados e então deparar-se com uma imagem sua mais madura e sombria com os fios escuros, que revelavam para os outros uma face mais melancólica e reflexiva que muitas vezes fingia não existir, pois gostava de manter sua reputação de alma jovem e despreocupada.

Lee Minhyuk desviou o olhar da janela que o convidava a devanear e voltou a focar em terminar de preencher as linhas que faltavam, mas logo sua atenção voou para a promessa dos futuros dias de descanso, quem sabe poderia até ir em uma balada? Faziam meses desde que fora em uma. Talvez, quem sabe conseguisse alguém para tirá-lo da carência, poderia testar o poder de sedução de sua nova aparência. Tinha certeza de que surpreenderia seus amigos, seria uma boa ideia marcar com eles. Foi pensando nisso que abriu o chat do grupo "Ajussi e os novinhos" – um nome ridículo, escolhido pelo próprio Minhyuk a fim de atormentar a vida de Son Hyunwoo, o único do grupo com mais de trinta e uma mulher grávida de gêmeos. Havia implorado para ser padrinho de um deles, e estava com medo de ter seu pedido nagado depois desta brincadeirinha – para onde onde enviou uma selfie com a legenda "Off: fariam?".

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