Passei um longo período sem me apaixonar verdadeiramente, sem amar alguém de verdade, contentando-me apenas com a ilusão de estar apaixonada. Eu gostava mais das sensações do que do amor em si. Sempre apreciei muito sentir, amava a ideia de estar apaixonada e me entregava completamente aos relacionamentos, mesmo que fosse apenas para experimentar a sensação de estar apaixonada. Mas então, decidi parar de me envolver romanticamente.
Naquela manhã, tudo deu errado. Acordei atrasada, meu chuveiro queimou, não consegui tomar café nem passar minhas roupas. Alimentei Carmela, minha gata, que miava como se estivesse faminta há meses, e saí de casa sob a chuva torrencial.
Quando estava quase no ponto de ônibus, percebi que não estava enxergando, o que só poderia significar uma coisa: esqueci meus óculos. Mas isso não era o pior. Devido à chuva intensa e à falta de visão, atravessei a rua sem perceber que o sinal ainda estava aberto e acabei sendo atropelada.
Tudo estava indo tão mal no início do meu dia que já me sentia a pessoa mais miserável do mundo antes mesmo das 8 da manhã. Comecei a chorar, inaugurando as primeiras horas do dia com grande emoção.
- Calma, moça. Vou levá-la no meu carro até o hospital. Por favor, não chore- disse uma voz angelical. Era a mulher que me atropelou.
- Desculpe, não vi o sinal. Me desculpe- balbuciei, chorando compulsivamente e me sentindo culpada por estar atrapalhando essa senhora elegante e aparentemente ocupada.
Entrei no carro, chorando como se não houvesse amanhã. Além de tudo, provavelmente perdi meu emprego por estar atrasada. Tudo estava dando errado. Então, decidi chorar tudo de uma vez.
- Estamos quase chegando. Fique calma, você pode acabar passando mal assim- disse ela.
Forcei-me a chorar mais baixo, mas era difícil segurar as lágrimas após tudo o que tinha acontecido, sem mencionar a dor no braço que indicava uma possível fratura, pois eu não conseguia movê-lo sem sentir que ele estava prestes a se soltar do meu corpo.
Ao chegarmos ao hospital, percebi que era particular. Como operadora de caixa em um supermercado, eu não tinha plano de saúde além do SUS.
- Desculpe, senhora. Eu não poderia pagar uma consulta aqui nem se vendesse meu pulmão para traficantes de órgãos- disse, não como uma piada, mas como uma pura verdade.
- Pode me chamar de Renata. Não se preocupe, eu vou arcar com as despesas. Vamos entrar?
- Claro!- respondi.
Renata era linda, elegante, seu sorriso era deslumbrante e branco, e fiquei tonta quando ela sorriu para mim. Além de tudo, ela era generosa. Essa mulher não tinha defeitos?
Entramos e fiz o procedimento para colocar o braço em uma tala. Eu deveria retornar em algumas semanas para removê-la. Depois de agradecer inúmeras vezes à generosidade de Renata, aproveitei o momento em que ela estava ocupada ao telefone e saí do hospital. Meu celular tocou.
- Stela, você não precisa mais aparecer por aqui. Já é a quarta vez que você se atrasa este mês. Que desculpa você vai inventar desta vez?
- Seu Paulo, fui atropelada!
- Não quero saber. Você está demitida!
Ao final da ligação, fiquei perplexa com o quanto Seu Paulo era um babaca. Sem opções, decidi esperar o ônibus enquanto ouvia minhas músicas tristes. Eu não queria piorar o dia sendo assaltada. Fiquei no ponto de ônibus por um bom tempo, mas o ônibus não chegava. Então, senti uma mão no meu ombro e virei assustada, rezando por tudo o que conhecia.
-Você estava fugindo de mim, mocinha?
Quase ri do termo "mocinha", mas ela estava falando sério. Sua expressão era séria, então me controlei.
- De jeito nenhum, só não queria atrapalhar ainda mais. Não precisa se preocupar. Meu ônibus vai passar em breve- respondi.
Ela me olhou como se eu tivesse duas cabeças e me puxou de volta para o estacionamento do hospital.
O único momento em que "conversamos" foi quando forneci meu endereço. Ela pediu meu número para se manter informada sobre o estado do meu braço e então foi embora. Carmela veio se esfregar nas minhas pernas assim que entrei em casa, talvez estranhando minha chegada mais cedo do que o normal. Acariciei-a e fui para o banheiro, onde aproveitei a água caindo no meu rosto para chorar.
Que dia agradável!
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Entre Encontros Inesperados (conto sáfico)
Short StoryO amor de duas mulheres completamente diferentes, que por um acaso do destino, tiveram suas vidas cruzadas. Stela, uma mulher que se acostumou a viver uma vida solitária e desprovida de paixões, vê seu mundo virar de cabeça para baixo em uma manhã c...