Despertar

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Passou-se uma semana desde aquele dia, e devo ressaltar que não retornei àquela rua desde então. Fiz compras através de aplicativos com o pouco dinheiro que tinha e alimentei Carmela com a ração que estava quase acabando.

Durante esse tempo, recebi uma mensagem de um número desconhecido que dizia:

"Boa noite, Stela! Desculpe pela hora, estava preocupada e queria saber como você está."
As mensagens continuaram chegando, com frases como:

"Stela, estou ficando ainda mais preocupada! Me envie um 'oi', só para eu saber que você está viva", "Vou te ligar", "Meu Deus! Estou cogitando chamar a polícia."

Não respondi a nenhuma delas, até que meu celular descarregou e eu o deixei desligado. Não me interprete mal, eu só não queria que ela se envolvesse em mais problemas em sua vida. Ela deveria ter percebido que eu não era uma pessoa de muita sorte.

Fui dormir e acordei no dia seguinte com alguém batendo na porta como se fosse arrombá-la. Carmela miava como louca, e eu fui abrir a porta segurando uma frigideira na mão. Não me julgue, eu tinha assistido a Rapunzel naquela semana, e aquilo estava fresco na minha mente. Quando a porta se abriu, quase caí para trás.

-Eu estava prestes a arrombar essa porta! Fiquei tão preocupada que nem me importei em aparecer tão tarde da noite- ela disse.

_Noite?- sim, essa foi a única coisa que me deixou confusa, pensei que fosse de manhã. Devo ter tirado um cochilo à tarde que me fez voltar às configurações de fábrica.

-Isso mesmo, Stela. É noite, são 19h. Vá trocar de roupa que vou esperar aqui-  ela falou com tanta seriedade que fui sem nem reclamar. Ela ainda ficou acenando a mão como quem diz "vá logo, vá".

Tomei um banho e procurei uma roupa que não parecesse que eu estava indo dormir. Perto dela, me sentia estranha. Fiquei me olhando no espelho por um tempo e decidi sair logo do quarto.

Encontrei-a fazendo carinho na insolente da Carmela, que parecia não gostar de mim, sua humana, mas estava ali, amando as mãos de Renata em sua barriga.

- Não acredito que você seja tão falsa assim, Carmela. Como consegue?- disse eu.

As duas me olharam e Carmela logo voltou a me ignorar, mas Renata não. Cheguei a tremer quando percebi o quão expressivo foi o olhar que ela me lançou naquela noite. Acredito que tenha sido ali que tudo começou.

-Vamos?- ela disse depois de um tempo.

Andamos até uma praça perto da minha casa e nos sentamos em um banco. Trocamos olhares, esperando que alguém falasse primeiro. Obviamente, não fui eu.

-Stela, fiquei tão preocupada. Você não dava notícias, não respondia às mensagens. Você desligou o celular?- perguntou ela, com um tom claro de indignação na voz.

-Não queria te preocupar! Desculpe por isso, mas foi apenas um braço quebrado. Não desliguei o celular, ele descarregou- respondi, sentindo o peso da culpa por não ter respondido.

Naquela noite, passamos um tempo conversando, e Renata se mostrou uma mulher incrível e muito amiga. Ela não demonstrou tédio nem impaciência ao me ouvir por horas a fio.

Nem mesmo percebemos quão tarde ficou, só acordamos do transe da conversa quando um motorista passou buzinando como um louco. Renata me deixou em casa e foi para a sua, mas prometeu fazer outra visita.

Senti as famosas borboletas no estômago quando nos abraçamos. Posso dizer que definitivamente foi naquele dia que tudo começou.

Aquela noite, finalmente, senti que a sorte estava ao meu lado.

Entre Encontros Inesperados (conto sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora