Prólogo

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Era tão bizarro o fato de tudo começar a desandar no momento em que pareciam que as coisas finalmente entraram nos eixos... Mallik e eu, finalmente, havíamos nos reconectado e estávamos mais amigos do que nunca. Minha vida era comer croissants, beber vinho, passear as margens do Sena e buscar inspirações para o meu livro, até que ele me aconteceu...

Eu não sei exatamente o porquê, mas eu pensava as vezes que Deus deveria ser algum tipo de ser sádico, que gostava de me colocar nas piores situação imagináveis e me ver sofrer enquanto tentava achar alguma saída para elas. Era engraçado como o passado conseguia me encontrar toda vez, mesmo quando eu me esforçava para sair dele. E, sempre que acontecia, eu saia com uma cicatriz disso.

Escrever sempre foi uma terapia pra mim. Durante todos esses anos, o notebook havia virado meu diário, uma espécie de confidente. Dele saia histórias de amor, sexo, ação, aventura, suspense... Era muito inspirador o fato de podermos criar histórias, personagens, reviravoltas, cenários e diálogos, e como isso era terapêutico pra mim. Nesse tempo, também aprendi a ser menos crítica comigo mesmo e a dar mais valor ao meu trabalho e criatividade.

Quando você fica muito tempo aos olhos do publico, você fica refém da aceitação de outras pessoas. Por causa de uma crítica ruim, o orgulho que você sentia de um trabalho parecia rapidamente ir pelos ares. Quando um livro não vendia como você esperava, você passava a se considerar a pior escritora do mundo, até mesmo com vontade de desistir da profissão. Mas talvez isso fosse algo pessoal meu. Auto confiança nunca fora meu forte afinal.

E quando você se torna mãe, as vezes você acaba abdicando do auto cuidado para prestar toda a assistência necessária a sua cria. Você é capaz de tirar do seu prato para alimenta-lo. Você é capaz de andar pelada para que ele possa ter as roupas da estação. O amor materno era algo muito visceral, e Mallik tornava as coisas muito mais fáceis.

Eu me orgulhava de quem ele havia se tornado. Um garoto forte, inteligente, destemido, confiante. Era simpático e sabia cultivar relações com maestria, diferente de sua mãe. Acho que nesse aspecto, ele era parecido com Klaus. Klaus sempre gostou de estar rodeado de pessoas e de conversar sobre os mais diversos assuntos. Deus, como ele fazia falta...

Ser viúva é uma experiência que só quem vive sabe como é. Existem diversos estágios até que aconteça a superação total. E na verdade, acho que ela nunca acontece plenamente. As vezes eu me pegava chamando seu nome, mandando mensagem em seu celular como se ele fosse responder. Como se toda aquela história de morte fosse uma grande brincadeira. Mas não era. Nesses doze longos anos, aprendi a aceitar que ele não voltaria mais. Pelo menos não em corpo físico.

Klaus sempre dava um jeito de me visitar de alguma forma. Nos sonhos, nos pensamentos, na intuição... Ele sempre achava uma brecha. Eu sentia como se ele fosse um anjo da guarda, me protegendo e olhando por mim em todas as situações. Sempre imaginava ele com aqueles ternos azuis que costumava usar e com asas brancas enormes perambulando pela casa e se certificando de que tudo estava correndo bem. Como eu sou brega!

Mas acho que a forma mais utilizada por ele para se manifestar era através de Mallik. Aquele garoto sabia me consolar e me deixar feliz como ninguém. Como se iluminasse o ambiente automaticamente quando entrava. Era meu porto seguro, assim como Klaus era em vida.

Becca é outra que nunca saíra do meu lado. Estava sempre há uma ligação de distância, e sempre disposta a me ajudar no que fosse preciso. Becca sempre fora generosa, desde que éramos crianças. Isso era algo que ela certamente havia herdado de sua mãe.

Maddie também nunca me deixava de lado. Ela era minha irmã mais nova, e me dava orgulho em ver como ela havia se tornado uma mulher exemplar, tão competente e dedicada ao trabalho. Não parecia em muita coisa aquela adolescente revoltada que eu conhecera naquela livraria em Mainytown.

Papai havia deixado saudades. Há cinco anos, nos deixará após um derrame, e, desde então, sinto que mamãe perdera um pouco a vontade de viver... Ela vivia sentada em sua cadeira de balanço, com os olhos vidrados olhando pro nada. Não muito tempo depois, ela também se foi. Apesar de tudo indicar falência cardíaca, eu sentia que ela havia morrido de tristeza. E pensar nisso me deixava muito mal.

Josh não lidou muito bem com a morte dos nossos pais. Sempre muito apegado a eles, demorou para que a ficha dele caísse. Por sorte, sua esposa e seus filhos estavam ali por ele, sempre. E que família linda eles formavam, de dar gosto de ver. Viviam juntos onde quer que fossem e raramente brigavam.

Pelo menos estar rodeada dessas pessoas que eu tento amava ainda me dava esperanças na vida. Me fazia pensar que estar aqui valia a pena e que junto com eles eu poderia superar qualquer coisa. E as vezes era difícil. E como era... Mas sempre havia uma luz no fim do túnel, que me mostrava que nem tudo estava perdido e que eu poderia achar algum aprendizado em meio ao caos.

Enxugo uma lágrima quando escuto barulhos de passos vindo do segundo andar. Mallik, que a essa altura já estava bem maior do que eu, se senta perto de mim e me dá um beijo no rosto.

- Está tudo bem, mamãe?

- Está sim, meu filho. Mamãe só estava pensando na vida... Mas, então, quer fazer alguma coisa antes de dormir?

- Na verdade, eu vim te chamar para vermos juntos o álbum de fotos antes de eu me deitar.

- Claro, meu filho, vai na frente que já eu subo.

Mesmo depois de grande, o ritual de olharmos juntos as fotos da época em que Klaus estava vivo permanecia. Essa era outra forma em que Klaus se manifestava para nós. A cada fotografia, eu sentia sua presença ali. E eu sabia que Mallik também sentia.

My Angel JonesOnde histórias criam vida. Descubra agora