35° Dia

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Esse é o trigésimo quinto dia que estou preso nesta casa. Temo que meus recursos durem apenas poucos dias até esgotarem-se completamente. A energia do gerador durou apenas até o décimo quinto dia. A água ainda corre na tubulação, mas completamente suja e de cor barrenta e acinzentada. A solidão desse lugar é a minha maior amiga. No primeiro dia, consegui cobrir a casa toda em placas de madeira grossa. O inverno está chegando e o aquecedor não funciona mais. Sair lá fora não é uma das minhas opções favoritas. A última vez que estive na floresta, quase fui pego. Decidi que aguentaria o máximo possível preso aqui. Aparelhos de comunicação, como celulares e computadores, estão sem barra de sinal. Meu celular aguentou apenas dois dias depois que a energia do gerador acabou. O medo do amanhã e do que será de mim consomem minhas vísceras a cada hora do dia que se passa.

A luz do sol, quando ele aparece, é somente visível pelas frestas entre as placas de madeiras que cobrem as janelas. Volta e meia eu vejo a sombra daquilo que está lá fora, circulando as redondezas da casa e procurando por vida. Certo dia, pude ouvir, no meio da noite, um deles escalar as paredes e caminhar pelo telhado. Seus passos eram lentos e pesados, amassavam a madeira fazendo-a ranger. É algo maligno, esperto e inteligente. Algo que fareja o medo e a angústia e se alimenta de pura dor.

Os dias agora são nublados e chuvosos, as noite são mais longas e frias. Eu estou em uma casa no interior do estado de nova york. A próxima casa é aproximadamente uns 6 quilômetros de distância daqui. Eu fugi para essa antiga propriedade dos meus avós, assim que a primeira notícia da radiação havia sido transmitida na televisão. Muitos me chamaram de louco por estocar grandes quantidades de comidas do jeito que eu fiz e fugir para um interior desértico do estado de Nova York. A maioria daquelas pessoas morreram, e as que ainda não morreram, tornaram-se um deles. Eu sei que ainda há vida lá fora. Talvez em outros estados, ou até... em outros países. Eu sei que tem vida em algum lugar nesse mundo. Eu sei que deve ter gente que se preparou para esse dia, assim como eu. Gente que está lá fora lutando contra essas coisas. Coisas que te enlouquecem apenas pelo mínimo intuito de se pensar nelas. Coisas que consomem seu estado racional e que não podem ser explicadas por olhos humanos. Coisas que os seres humanos nunca entenderão mesmo com a maior vastidão de conhecimento do universo. Incompreensíveis e incapazes de serem digeridos pelos limitados padrões de visão dos olhos humanos, acostumados a uma realidade aceitável e confortável a nossa compreensão.

Sobre essas tais coisas das quais eu menciono que estão lá fora...bem... são imprevisíveis. Logo quando surgiram, eram frutos de um vírus leve que usava o ser humano como hospedeiro, manifestando suas atrocidades através da debilidade do homem. Deixavam aqueles que foram infectados possuídos por uma leve tontura e confusão mental. Muitos desmaiavam e os mais frágeis tinham ataques respiratórios até o último suspiro, então finalmente eram beijados pela morte. A situação se tornou global, pandêmica. O vírus evolui e progredia no organismo humano, deixando aqueles que eram acometidos por sua infecção, em uma espécie de fragilidade insana e catatônica. Os seus corpos viraram um grande pote oco, vazio e sem vida, respondendo em mero piloto automático. No início, a perda do apetite alimentar era uma característica evidente, visto que muitos definhavam até a morte. Achávamos que se tratava apenas de um desses vírus que vem e vão todos os anos, infectando alguns e tornando outros mais fortes. Todos achávamos que logo estaríamos melhores. As grandes companhias farmacêuticas receberam milhões e trilhões de investimentos. Por isso, as vacinas já estavam sendo estudadas e testadas a uma velocidade nunca antes vista na história da humanidade. Tudo parecia alcançar seu declínio e a luz do fim do túnel parecia ficar cada vez mais forte, pois algumas áreas do planeta nem chegaram a ser infectadas e outras conseguiram conter a infecção com excelência. Nossa vida encaixava-se nos eixos aos poucos. Muitos, como eu mesmo, nem pensavam que aquilo pudesse piorar. Conheci muitos amigos que foram infectados e saíram dessa, mas vi gente próxima falecer sem nem que um velório pudesse ser orquestrado por conta das condições de contaminação. As pessoas não atacavam umas às outras, apenas morriam se não conseguissem desenvolver anticorpos, pois os sintomas variavam de pessoa para pessoa. MAS AS PESSOAS NÃO SE MATAVAM. Chegamos a uma fase próspera de encontrar a cura. Algumas vacinas foram testadas e muitas pessoas foram imunizadas. E não, não é culpa da vacina. A vacina ajudou a imunizar muitos de nós contra a primeira fase do vírus. A vacina salvou muitas vidas, mas nem mesmo ela foi capaz de prever o que viria depois.

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