IRREGULARIDADE

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Quando eu tinha apenas 9 anos, fui com minha mãe até o centro da cidade comprar os presentes de natal para a família. Decidimos ir de ônibus. A estação de ônibus estava lotada. As pessoas em multidões competiam para ocupar as vagas dos veículos. Algumas pessoas foram deixadas para trás esperando o próximo veículo para tentar conseguir um lugar.

Nosso ônibus finalmente chegou. Todos correram e aglomeraram-se na porta do ônibus espremendo-se para entrar. A comoção fez com que eu acidentalmente me perdesse da minha mãe. O ônibus partiu e ela não conseguiu entrar.

Eu fiquei com muito medo. Era minha primeira vez andando de ônibus sozinho na cidade grande. Aqueles olhares estranhos me assustavam. Minha cabeça estava a mil. Meu coração palpitava e meus olhos saltavam de um lado para o outro procurando familiaridade nas ruas que passavamos. Minhas pequenas mãos suavam. Uma senhora se aproximou e perguntou,

''Tudo bem ai pequeno?!''

Eu respondi com um sorriso, não queria parecer indefeso. Já tinha ouvido histórias perigosas da cidade.

Um outro homem começou a me encarar com um olhar malicioso. Tive medo. Desci três paradas depois, sem saber onde estava. Era um lugar que eu nunca havia visto antes.

Sai do ônibus ainda em meio a multidão que descera ao meu lado. Caminhei até a plataforma de ônibus do outro lado da rua. Não pude conter as lágrimas.

Um homem de pé de costas virou-se e me viu chorar.

''Tudo bem com você?'' - ele perguntou

''Minha mãe... eu ... me perdi'' - falei isso segurando o choro em um nó na garganta.

O homem me olhou intrigado. Ele deu um passo para trás inclinando a cabeça, incrédulo. A reação dele pareceu mais exagerada do que eu esperava.

Seus olhos brilharam. Ele franziu a testa agachando-se a minha altura. Ele olhou nos meus olhos.

''Não tenha medo!'' - ele disse olhando com os olhos arregalados e as sobrancelhas franzidas, mas uma voz firme e serena.

''Eu sei quem sua mãe é... eu sei onde encontrá-la!'' - Ele levantou-se e estendeu a mão.

Eu senti que deveria confiar nele e deixei que ele me levasse para o sentido oposto da plataforma que estávamos. Às vezes, ele me encarava com um sorriso amistoso.

Um ônibus se aproximou. Ele então parou e disse.

''Aqui, ela vai estar nesse ônibus... entre nele'' - Ele estava de pé ao meu lado.

Quando o ônibus abriu as porta eu corri para seu interior. O homem que me ajudou, ficou para trás assistindo tudo.

''Mãe!? mãe !?'' eu entrei perguntando no ônibus.

''Filho !'' Minha mãe respondeu por trás de algumas pessoas. Ela correu em minha direção e me abraçou.

O ônibus começou a se mover, fechando suas portas. Enquanto o veículo movia-se eu percebi que o rapaz ainda estava parado na estação. Ele tinha um sorriso confortante no rosto. Tudo que eu fazia era me perguntar...como?

Hoje, 25 anos depois. Eu estava indo para o trabalho. Decidir ir de ônibus. Enquanto estava parado mexendo no meu celular distraído, pude ouvir um choramingar atrás de mim. Percebi que havia um pequeno menino assustado e soluçando.

Eu perguntei se estava tudo bem com ele. Ele me disse que havia perdido-se de sua mãe. Eu olhei com mais cuidado.

Eu não pude acreditar quando olhei cautelosamente para ele. Ele usava as mesmas roupas, tinha o mesmo olhar... Eu o conhecia.

Olhei ao redor. Agachei-me em sua direção. Meus olhos encheram-se de lágrimas e depois disso, eu já sabia o que fazer.

Como muitos de nós, eu acreditava que o tempo era algo linear. Dividido em passado, presente e futuro. Mas ele prega peças. Ele tem vida própria. ele é irregular para cada um de nós.

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⏰ Last updated: Jan 19, 2021 ⏰

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