Meu maior erro.

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Eu estava voltando da minha aula de ônibus naquela noite. A cada nova parada, diminuía o número de pessoas  do veículo a medida que desciam. Nunca fui o tipo de pessoa que encararia as pessoas ao meu redor diretamente nos olhos. Eu estava ouvindo música nos meus ouvidos e planejando mentalmente o resto da minha noite. O ônibus finalmente deixou o último bairro urbano e rumou para as regiões mais afastadas dos subúrbios. Não havia mais muitos holofotes na rua. As casas começaram a ficar distantes umas das outras. Continuei concentrado na minha música. Percebi que haviam apenas três pessoas no ônibus, incluindo eu. Eu estava sentado no canto direito traseiro do ônibus, próximo à janela. Além de mim e do motorista, havia um homem a cinco a frente de mim. Ele se sentou de frente para mim e percebi que ele estava olhando em minha direção. Ele usava uma jaqueta com capuz que cobria sua cabeça, escondendo seu rosto. Ele não se moveu e nem fez barulho algum. Era como uma estátua, sereno e estatico. Olhei para a janela fingindo que não me importava. Eu não queria que ele pensasse que eu estava com muito medo. Nesse ponto, tudo estava escuro ao redor da estrada, iluminada apenas pelos faróis do ônibus. Minha casa deveria estar a cerca de 30 minutos de distância, depois de uma grande e larga rodovia. Pela minha visão periférica, percebi que o homem ainda estava olhando na minha direção. A energia daquele olhar me oprimiu e me deixou ansiosamente tenso. Decidi mandar uma mensagem para minha colega de quarto, esperando que ela pudesse me encontrar perto do ponto onde eu iria sair. Ela não respondeu. Percebi que meu celular tinha apenas 1% de bateria. Tentei não mostrar nenhum sinal de nervosismo. Eu olhei para ele novamente, tentando encontrar seus olhos naquela sombra negra cobrindo seu rosto. Um rápido flash de luz de um poste iluminou seu rosto e eu pude ver seus olhos brevemente. Eles brilhavam molhados com lágrimas presas. Era puro ódio e tormento. Fiquei apavorado com a fúria em seu olhar. Um olhar de angústia, sem vida e de espanto. Eu não sabia o que fazer. Tentei ligar para minha amiga desta vez, mas quando ela atendeu, meu telefone morreu. Levantei-me e caminhei em direção à porta fingindo que ia sair na próxima parada. Seu olhar sádico e perverso não parava de me seguir. Eu queria enganá-lo descendo na primeira parada seguinte. Sua cabeça se inclinou para mim. Ele definitivamente estava pensando nas piores coisas que poderia fazer comigo. Encontrei o olho do motorista no espelho retrovisor. Ele me olhou confuso. Passamos por um túnel iluminado. Eu agora olhei para aquele homem determinado a enfrentá-lo. Minha intenção era mostrar que não estava com medo, embora estivesse tremendo. As luzes do túnel iluminaram seu rosto completamente.

Eu reconheci aquele olhar. Eu já o tinha visto antes. Eu conhecia aquele homem.

Há três anos atras um grupo de universitários deu uma grande festa de boas-vindas aos calouros, então fui incluído. Haviam muitas pessoas em uma casa de festas próxima ao campus. Mulheres nuas, bebidas, sexo e drogas, tudo incluso. Eu estava claramente alterado naquela noite. Um grupo de veteranos puxou-me pelos braços e disse-me que queria tornar as coisas mais animadas. Eles me levaram com outro grupo de 3 calouros em uma caminhonete. Depois de dirigir, paramos em uma ponte. Embaixo dela havia contêineres de lixo, muita sujeira e ao lado havia uma espécie de  corrego. Tudo estava nublado em minha cabeça. Um dos veteranos assumiu a liderança. Ele puxou e arrastou um homem que estava de trás de uma das caçambas de lixo. Ele disse que nossa missão era eliminar um problema do estado. Ele tinha um taco de beisebol pesado e duro. O homem se levantou e antes que ele corresse, o veterano o acertou nas pernas. O homem caiu e começou a engatinhar. O homem implorou para ser solto. Nesse ponto, eu já estava confuso. Eu não sabia se isso estava acontecendo ou não. Eu apenas pensei que deveria estar alucinando. Certamente eles deveriam ter colocado algum tipo de droga na minha bebida. Em seguida, o veterano passou o bastão para um dos calouros. 'Sua vez' disse ao menino. o calouro bateu com raiva  nas costas do homem que em seguida caiu no chão. Depois que o veterano fez com que dois dos meninos batessem no homem, ele disse que eu seria o próximo. Estremeci e não tive coragem. Aproximei-me e olhei o homem nos olhos. Ele estava chorando de dor, coberto de sangue. Todos ao meu redor me colocaram sob pressão. Eles gritavam para mim, 'Bate! Bate ! Bate!'. Eles estavam agitados, esperando que eu acabasse com o homem. Eu me senti tonto. Tudo ao meu redor girou

A próxima coisa de que me lembro é de acordar na manhã seguinte no meu dormitório. Meus braços estavam cobertos de sangue. Não conseguia me lembrar do que havia acontecido com aquele homem. Certamente nada de bom.

Finalmente, lá estava ele, três anos depois, olhando para mim. Assim que me lembrei de tudo isso, recuei até o final do ônibus,  caindo no chão em desespero. Ele permaneceu sentado onde estava. O motorista olhou para mim pelo espelho retrovisor novamente, perguntando 'Você está bem, filho?'

Gritei: 'Por favor, me ajude! este homem vai me matar! '. O motorista se virou para mim confuso e perguntou.

'De que homem você está falando, senhor?

Uma luz intensa inundou o ônibus seguida por um longo e forte impacto.

As pessoas costumam dizer que segundos antes de sua morte você assiste a sua vida passar diante dos seus olhos.

Eu não.

Eu vi meu maior erro.

ATORMENTADOWhere stories live. Discover now